26.7.07

A Moral e o Estado

"Pudera eu fazer que todo mundo tivesse novas razões de amar os seus deveres, seu Príncipe, sua Pátria, suas leis; que se pudesse sentir melhor a felicidade em cada País, cada Governo, cada posto que se ocupe, e considerar-me-ia o mais feliz dos mortais. Pudera eu fazer que os que mandam aumentassem seus conhecimentos sobre o que devem mandar, e os que obedencem encontrassem um novo prazer em obedecer, e considerar-me-ia o mais feliz dos mortais. Considerar-me-ia o mais feliz dos mortais, pudera eu fazer que os homens se pudessem curar dos preconceitos. Aqui, chamo preconceitos não o que faz ignorar certas coisas, mas o que faz ignorar-se a si mesmo".

______Charles Louise de Secondat, Barão de Montesquieu (1689-1755)

Os seres humanos nascem iguais em direitos e deveres, mas nascem diferentes em relação a suas aptidões, características inatas do homem. Há os que nasceram com a característica de liderança, há os que nasceram com a característica dos trabalhos manuais, há os que nasceram para a reflexão, há os que nasceram para as artes, para a comunicação...

O ideal do Estado é a união de todas essas características individuais. Montesquieu, ao desejar que o homem pudesse "amar os seus deveres, seu Príncipe, sua Pátria, suas leis; que se pudesse sentir melhor a felicidade em cada País, cada Governo, cada posto que se ocupe", traduz um desejo de unidade que já observávamos na República de Platão. O Estado Iluminista é um ideal, assim como a República. Ele chegou mais perto de sua realização, mas de fato permaneceu bem longe do que pensavam iluministas como Montesquieu.

Materialistas dirão que esses Iluministas pensaram dessa forma por pertencerem a uma classe favorecida onde seria muito mais fácil desejar o "amor a seus deveres". Penso que não há problema algum nisso. As obras filosóficas desses homens remetem a valores universais e necessários para que o homem se organize de forma justa e respeitando as diferenças inatas de cada um. Seja um artesão, seja um rei, seja um camponês ou um barão... As idéias expressas acerca do Estado ideal clamam por valores universais como a justiça e o amor. Mas por que diabos esse ideal iluminista não se realizou?

As razões históricas que fizeram com que chegássemos ao Estado opressor e injusto que temos hoje, decorre de muitos fatores. Seria um trabalho por demais complexo tentar enumerar todos essas fatores históricos. O que pretendo é, brevemente, através de uma análise moral e filosófica colocar meu pensamento acerca do motivo que inclusive serve como sustentação para esses fatores históricos, sendo causa primeira de todos eles.

O Estado é formado por homens, movido por homens, que como foi dito, nascem sob diferentes características inatas. Essas características não remetem apenas a suas ocupações sociais, a suas contribuições para a produção de bens necessários para o uso coletivo. Essas características também remetem ao comportamento e consciência moral de cada homem.

É muito difícil dizer exatamente o que é moral; na verdade talvez não seja possível. Colocarei aqui a moral através de uma conecção com outras palavras. Colocarei moral como a consciência que cada homem tem dos valores universais e a priori que o pensamento produz. A justiça, a paz, a liberdade, o amor e tantos outros valores que não podem ser descritos exatamente em palavras são os constituintes da consciência de cada um. Cada homem, independente de ser um grande líder ou um soldado, possui em maior ou menor escala essa consciência, essa moral.

O que temos na realização do Estado moderno é a festa dos que possuem de forma muito rasa a consciência desses valores. Os chefes de Estado, empresários, intelectuais, comunicadores e tantos outros que determinam os rumos das nações no mundo, estão imersos no egoísmo, característica essa calcada em desejos de realizações individuais que nada têm a ver com a forma como deve funcionar o Estado em seu ideal. Muitos desses homens provavelmente têm a característica inata de liderança e intelectual de poder pensar o funcionamento de um corpo tão complexo como o Estado. O problema é que de nada vale possuir habilidades, se as mesmas estão presas a uma baixa consciência moral.

O ideal do Estado, ou até mesmo todo e qualquer ideal aqui, pode ser entendido como um farol pelo qual temos que seguir, mas isso sem em momento algum esquecer do principal motor de todos esses ideais: o homem e suas relações! A moral, a consciência de valores universais é o que torna possível a realizações de ideais como o Estado. Não defendo aqui em absoluto o Estado como única forma de realização de tais valores, mas apenas analiso a falha desse modelo como uma deficiência moral que está na vida, no pensamento e na realização do próprio homem, onde não há problema algum no fato de existirem patrões ou empregados, líderes ou liderados, mas sim no fato de existirem exploradores e explorados, senhores e escravos, sendo essa condição, a determinante para manter essas relações injustas entre os homens.

Podemos compreender inclusive que esse caos gerado pelas deficiências morais do homem, independem do modelo de organização social que possa existir. E enquanto o homem não desenvolvê-las de alguma forma, não há mudança social que permita sermos felizes.
Ignorar nossa evolução moral é ignorar a nós mesmos, prendendo-nos no egoísmo e no preconceito que nos torna alheios e reféns de nossas próprias debilidades. Debilidades essas determinantes para o atraso no desenvolvimento e bem-estar nosso e de nossa sociedade. Talvez a esse pensamento estivessem ligadas as idéias de Montesquieu, observadas nas linhas citadas acima.

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