17.1.08

Ajudando o senso comum...

O senso comum pode ser compreendido como uma forma de conhecer o mundo. Tem como característica o fato de adotar, como gerais, experiências particulares, não possuindo fundamentação filosófica e nem científica. O senso comum não é sustentado por grandes argumentações e nem busca por isso, pois se o fizer, deixará de ser senso comum.

Desde que comecei a estudar filosofia, percebo cada vez mais os ataques ao velho senso comum. À medida que os estudantes de filosofia distanciam-se do mundo, percebo seu desdém com este “monstro” que habita listas negras. Outro dia estava fuçando pelo famigerado Orkut - nada melhor para achar pérolas do senso comum -, pesquisando sobre comunidades relacionadas a este “monstro”. E não é que percebi que algumas vezes o próprio senso comum se odeia? O senso comum não tem amor próprio em certos momentos!

Explico citando o texto de apresentação de uma das comunidades visitadas:

quem já não se perguntou como as pessoas conseguem ser tão sem cultura?elas olham coisas inúteis na TV e já acham q só pq está fazendo sucesso é bom!todas as músicas boas estão sendo esquecidas, para dar lugar à esses lixos, que as pessoas chamam de música.por isso, vcs, que acham q todas as músicas e coisas inúteis do mundo deveriam ser banidas, essa é a sua comunidade!e é importante colocar aqui tb, que não é só na música que acontece isso, infelizmente. é também na vida política das pessoas, e esta, não deixa de atingir a vida econômica tb. e tudo isso pq há bandos de "mentes fracas" q não tem inteligência o suficiente para formarem suas opiniões, e precisam ficar se guiando pelo o q uma medíocre emissora q gosta de mentes vazias para poder plantar o seu veneno nelas,fala.por isso, é hora de vc fazer algo, e não "ficar esperando acontecer", afinal, mesmo q pensamos q nossa opinião não vá resolver alguma coisa neste país perdido, não custa tentarmos”. (
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=4142895)

Será que conseguiremos aumentar a auto-estima do senso comum? Vamos tentar utilizando alguns argumentos do texto acima:

Primeiro argumento do texto: quem possui senso comum não tem cultura.

O homem possui cultura, a menos que viva isolado, a menos que permaneça sem contato algum com costumes criados por determinada sociedade. Em momento algum, cultura é sinônimo de inteligência, a não ser para um julgamento oriundo do velho senso comum, que insiste em afirmar que alguém sem “cultura” é “ignorante” ou pouco conhecedor das “verdades do mundo”. A cultura, conjunto dos hábitos de uma sociedade, bebe em muitas fontes como a religião, a arte e também o senso comum. Alguém aí não tem cultura? Alguém aí não sabe o que é religião? Alguém aí nunca se deparou com arte? Alguém aí se acha fora do senso comum?

Segundo argumento do texto: a mídia gera arte inútil, e isso faz parte do senso comum.

É de praxe do senso comum dizer que algo é inútil, mas como vemos acima, não há uma fundamentação sobre o que é útil ou inútil. Não é de responsabilidade do senso comum conceituar as coisas e nem fundamentar suas afirmações. A música criticada aqui, juntamente a outros produtos da indústria cultural, é ruim, pois é inútil. As músicas boas, segundo o texto, estão sendo esquecidas, mas se o senso comum não sabe o que é útil, acho difícil que saiba o que é bom. Afinal, o que é música boa? Ainda sobre música, uma proposta: que todas as coisas inúteis sejam banidas. Mas é muita responsabilidade banir algo que nem ao menos se sabe o que é!

Terceiro argumento do texto: as mentes “fracas” e sem “inteligência” – oriundas do senso comum – não têm capacidade de gerar suas próprias opiniões. Tal situação se estende à vida política e econômica, prejudicando-as.

Sim, o desinteresse por estas duas esferas da vida social realmente é um problema. Através deste desestímulo promovido pelas classes dominantes, percebemos que os homens cada vez mais se encontram presos em amarras ideológicas. Neste ponto o texto mantém uma afirmação que pode ser sustentada, exceto pelo fato de afirmar que a “opinião” é algo de grande valor. A opinião, pode ser compreendida como uma afirmação que muda em todo momento, instável, que se encontra constantemente em conflito por não possuir argumentos sólidos. É normal, e faz parte do senso comum, achar que pessoas de opinião são “inteligentes”, mas será que um conhecimento razoável é gerado por uma simples opinião? Pode-se afirmar que sim ou não, mas de fato, tal afirmação requer uma investigação que passa longe do papel do senso comum e da simples opinião.

Sem maldades, o texto acima está carregado de juízos, alguns com certo fundamento “inconsciente”, outros sem conexão alguma entre seus sujeitos e predicados. Um texto que mistura tais características pode muito bem ser taxado de produto do senso comum. Chegamos ao ponto desejado. Pode o senso comum criticar a ele mesmo?

Creio que ao incumbir-se de tal tarefa, o senso comum busca algo fora de suas capacidades. O termo “senso comum” não foi nem ao menos criado por ele. Ao criar outros modos de conhecer o mundo, o homem pôde finalmente separar essas diversas formas umas das outras. É observando a forma como um cientista investiga o mundo que vemos, por exemplo, como o senso comum se diferencia da ciência. A partir dessas diferenças que podemos, finalmente, saber o que é senso comum, ciência, filosofia, entre outras formas de conhecimento. Restaram ao senso comum, as características descritas no início do texto, não cabendo a ele a tarefa de criticar-se. Mas calma! Também não cabe à ciência a tarefa de falar sobre sua utilidade, nem à religião criticar suas diversas crenças e nem mesmo a arte dizer o que é arte.

Ajudemos o senso comum! Não vejo uma forma de separar totalmente essas diversas formas de conhecimento. Não possuímos botões que acionam, ora uma, ora outra dessas formas. Nascemos e, assim como a humanidade, no início de nossas vidas, estabelecemos juízos imediatos, espontâneos. Recebemos, graças à comunicação, por exemplo, informações que nos levam ao conhecimento de outras formas de investigar o mundo, de conhecê-lo. Logo, temos o senso comum como um começo de ciência, onde este primeiro contato gera fundamentações que nos levam a afirmações cada vez mais sistemáticas acerca das coisas.

A crítica do senso comum pelo senso comum pode ser vista como um efeito de tempos onde a racionalidade é colocada como principal meio para o homem compreender a realidade. Explico: o mundo gerado por esse racionalismo exacerbado criou um estado de cientificismo. As ciências baseadas na matemática e na lógica formal, possuem grande destaque em nossa sociedade, mas têm como “sobra de senso comum” em seus tratados, o desprezo por tudo aquilo que não segue seus métodos. A ideologia dominante, por ser oriunda desse culto à razão, carrega fortemente esses traços e mantém entre os dominados esse ranço. O senso comum busca justamente, a exemplo do texto analisado, banir tudo aquilo que não possui serventia, que não é bom e nem útil. É o que a ciência busca fazer com tudo aquilo que não é ciência. É como ver o “sujo falando do mal-lavado”, afinal, como afirmar qual forma de conhecimento possui menos incertezas sobre a realidade?

Outra forma de auto-crítica do senso comum, é o fato deste atribuir a si a alienação por parte dos meios de comunicação de massa. Tal afirmação descuidada nega o fato de que existe uma ideologia que não é forma de conhecimento, mas de dominação. A ideologia, que busca meios de alienação, utiliza-se não só do senso comum, mas da ciência, da religião ou das artes, por exemplo. Afirmar que tal alienação é provocada pelo senso comum surge da ignorância sobre a real causa das amarras ideológicas da sociedade.

Quem fala mal do senso comum despreza grande parte da história do homem e nega sua própria vida. É como criticar um bebê por engatinhar, sem saber que um dia esse se tornará um grande maratonista. Mais ainda, quem fala mal do senso comum, utilizando-se de argumentos como os apresentados acima, demonstra estar preso a ele de forma incontestável.

4.1.08

Cansaço e Ideologia

Cerca de 5 mil pessoas estavam presentes ontem, 3 de janeiro, ao ato do movimento Cansei, liderado pela OAB, ONG’s, associações e demais entidades. Mais uma vez, o que se observou, foi um desfile de reivindicações como “cansei de governo paralelo dos traficantes, do caos aéreo, crianças nas ruas, corrupção, bala perdida e empresários corruptores...”.

O principal alvo das manifestações foi o governo Lula. Placas com frases como “cansei do Lula” tornaram-se comuns nos atos do movimento da classe-média. O presidente é atacado sem grandes fundamentações, algo que cabe muito bem a uma classe que tem como único foco o consumo desenfreado de bens cada vez mais caros, além do entretenimento oriundo dos canais de TV a cabo e revistas semanais de famosos e suas vidas glamurosas.

Por que a classe-média reclama tanto do governo Lula? É bem certo que eles não sabem direito do que estão falando, mas podemos analisar qual ideologia os guiou até a Praça da Sé, além das condições materiais que fizeram com que tal ideologia surgisse. Vamos com calma...

O governo Lula busca, através de projetos populares como Bolsa-Família, ajudar as camadas mais pobres da sociedade, enquanto procura fazer o país crescer economicamente, de acordo com as regras do sistema capitalista. Isso consiste em trazer investimentos, colocar o Brasil na rota dos grandes empresários mundiais, fazer parte das decisões políticas globais, enfim, colocar o país na grande roda do capital. Como se trata de um governo populista, não quer perder o apoio das classes menos abastadas, desse modo, projetos sociais que ajudam estas classes, servem como um “cala a boca“ e para que estas pensem que se trata de um governo voltado para os pobres.

A classe-média assiste a tudo isso e sente-se incomodada. Por que? Porque enxerga nesse governo um descaso para com ela. Observa os defeitos de um Bolsa-Família e sente-se ofendida por dar seus impostos para tal projeto. Acha um absurdo ter que, através de seus impostos, sustentar outras classes que, em sua visão, apóia-se nestes projetos para sobreviver.

Tal pensamento é oriundo do velho liberalismo, onde cada cidadão deve, através de seus próprios esforços, buscar seu sucesso pessoal. É a velha fórmula de não dar o peixe, mas ensinar a pescá-lo. Tal ideologia vem de uma classe que procurava não o questionamento dos motivos de tal ou tal classe existir, mas sim a realização econômica através de suas capacidades. Desta forma temos o industrial, que é o mais capaz, mas também temos o trabalhador da indústria, que não possui a mesma capacidade de ascensão econômica que o seu patrão. Além disso, o liberalismo não apoiava a intervenção estatal na economia, pois as próprias dinâmicas de produção deveriam determiná-la. A ideologia surgida através de tais relações, ganhou fôlego após o crescimento da classe-média nos séculos XVIII e XIX. Segue como um câncer nas mentes podres da sociedade contemporânea.

Aqueles que organizaram o movimento Cansei, movidos por seus interesses materiais, carregam tal ideologia, mesmo que implicitamente. Aqueles artistas, figuras das colunas sociais ou pequenos empresários que aderiram ao movimento, sabem menos ainda acerca do que exponho aqui. Além dessa ideologia liberalista, carregam a fúria consumista de uma classe que nada mais busca que um “lugar ao céu”, onde os objetos de consumo são cada vez mais acessíveis, onde os altos muros de seus condomínios os protegem da canalha que ameaça sua qualidade de vida e seus bens materiais.

A entrega cega a uma ideologia surge no momento em que o homem não se enxerga como aquele que determina o seu pensamento através de suas ações. A alienação surge quando os homens invertem o movimento essencial da relação entre o racional e o real, passando a colocar as idéias como aquelas que determinam suas ações. O que observamos no movimento Cansei é exatamente essa relação, onde uma classe age cegamente dentro de uma ideologia, sem ao menos analisar o que o mundo real expõe de forma transparente, se visto fora dela.

A classe-média não enxerga que ao se opor ao governo Lula, não está lutando para a melhoria das condições de vida de sua classe. Prende-se a uma luta que, em essência, nada mais é que uma luta contra as classes mais pobres, menos abastadas e com pouco acesso ao mundo do consumo. Mas não pára por aí...

Defender o governo Lula seria a solução? Óbvio que não! A luta da classe-média, como foi dito, tem como fundo o ódio contra as classes mais pobres, mas apenas porque a classe-média pensa que está sendo prejudicada pelos programas sociais do governo. Pensa que o governo está dando o peixe ao invés de ensinar a pescá-lo. Enxerga no governo Lula, uma ameaça aos princípios que a levou ao status social na qual se encontra. O que temos aqui, em resumo, é uma criança mimada que não quer dar seu brinquedo velho ao menino pobre que toca à campainha pedindo alguma coisa.

A classe-média infantilizada não enxerga que é explorada assim como as classes mais pobres. Não enxerga que corre, corre, mas jamais alcançará seu céu do consumo. O céu do consumo jamais chegará pelo simples fato de que ele não deve chegar. A roda capitalista não pretende dar cabo do combustível que mantém sua economia em movimento.

O que se observa nesse momento, é uma espécie de heterogeinização das classes sociais dominadas. Quando um governo, em aparência, governa para uma determinada classe, as outras, por apenas enxergarem as aparências, sentem-se ofendidas, ameaçadas em suas posições. A revista Época, em alguma edição, chegou a declarar que a classe-média está estacionada, referindo-se ao crescimento econômico da mesma. Temos aqui uma demonstração clara de como esse governo, que aparentemente governa para os mais pobres, pode gerar momentos onde percebemos com mais facilidade as divisões entre as relações econômicas existentes nas classes dominadas. O movimento Cansei mostra uma classe-média mais abastada que aquela na qual, por exemplo, eu me encontro, e que se sente ameaçada e desprotegida dentro das suas relações econômicas, devido ao governo populista de Lula.

Especulando acerca desse cenário, posso arriscar que essa heterogeinização de classes pode gerar uma divisão ideológica entre as classes mais pobres e essa classe-média “cansada”. Embora vivam sob relações econômicas e de produção diferentes, essas classes basicamente possuem os mesmos anseios consumistas da sociedade capitalista, mas a heterogeinização pode surgir como diferença de consciência por parte das classes mais pobres, onde a ilusão de uma vida melhor, possa ser aos poucos desmistificada, devido a essa oposição de classes.

Especulações a parte, o que notamos através do movimento Cansei, é o efeito de um governo que busca fazer com que o país cresça economicamente, enquanto “dá o peixe a quem não sabe pescar”. Desse modo, os filhos mimados do liberalismo levantam-se e clamam por justiça.

O céu ameaçado quer voltar à sua estabilidade. Meio sem jeito, as massas de manobra das grifes buscam seu descanso do que entendem por injustiças sociais. A classe dominante observa tudo e sorri contente. A disputa aqui beira o ridículo, e assim como as guerras de tortas entre os palhaços no centro do picadeiro, vemos a canalha consumista levantar suas bandeiras vazias de ação. Nenhuma ameaça à vista, nenhuma fissura no navio do capital. Enquanto eles cansam, os poderosos permanecem cheios de fôlego!

1.1.08

Não há o que comemorar...

As mentes pequeno-burguesas dirão que se trata de pessimismo. Eu não sei o que é, mas deu vontade de escrever, eu escrevo: não há o que comemorar! O primeiro post do ano traz esta "bela" mensagem de ano novo.

Não há o que comemorar no momento! Nosso período histórico diz que devemos lutar para termos o que comemorar. Não participo de tal luta. Talvez devido a isto não conheça a felicidade real e deva me refugiar nos fetiches da ideologia burguesa. Será esta a força misteriosa que arrasta as pessoas para fora da realidade? Será esta a genealogia dos antidepressivos, dos livros de auto-ajuda e do êxito da indústria cultural?

Ouço fogos de artifício, pois já é 2008... Daqui, meus olhos apenas podem ver a classe-média festejando, mas pelo mundo, alguns morrem por petróleo, a África segue com sua existência faminta, as diferenças sociais geram violência, ódio e desespero. Na TV, mensagens de um ano novo cheio de esperanças não trazem novidade alguma. É apenas mais um ano que traz votos e mais votos de felicidades: felicidades que eu não estou me referindo aqui.

Não estou falando de realizações pessoais, não estou falando de sucesso econômico, afetivo, nem nada daquilo que os desejos egoístas de um “feliz” ano novo trazem. Estou falando do real, ou seja lá o que ele significa fora desta ideologia massacrante e triste.

Pessimismo, realismo... Não sei, mas estes fogos dizem muito a todos que os ouvem. De qualquer maneira, seja qual for o conceito de felicidade, não há como deixar de se desejar um feliz 2008... Mas o que é um ano feliz, afinal?

Feliz 2008...