16.3.08

Outro Filme

A vida tornou-se um filme onde me enxergo entre os anúncios no intervalo dos acontecimentos, tornou-se novela para que os cotovelos se empurrem rumo à melhor cena, tornou-se aquilo que está estampado nas revistas de moda e comportamento, tornou-se valor negativo daquilo que nos mostra a vida colorida dos dentes brilhantes para sorrisos realizados segundo as letras das músicas de sucesso.

Eu estou em um filme. Nesse domingo nublado e silencioso, onde pronunciei pouco mais que cinco palavras, senti-me encenando um drama de péssimo roteiro. Não deixei de perceber como o meu final era bem pior que muitos outros, mas na disputa dos roteiros nem percebi que havia tantos outros finais piores que o meu. Não quis saber!

Não quis enxergar o que havia por trás do rolo antigo, da trilha sonora triste e da péssima bilheteria. Não quis saber do choro que realmente importava e nem das mortes no outro filme. Acho que era de guerra... Vi pelo sangue no final, mas nem liguei.

A indústria cultural está em minha tragédia pessoal, no meu choro vazio, no meu medo da solidão. Está no caos de meus pensamentos, na busca pelo amor perfeito, no ódio pela rejeição inesperada. A mocinha do meu filme fará parte de outro roteiro, e quanto ao meu novo filme, talvez a veja, mas o que me deixa triste é que ela agora será uma coadjuvante ou no máximo uma participação especial. Teria sido uma participação especial já nesse recém acabado?

Hoje quis experimentar o final feliz que há tempos não encenava, quis experimentar a bela música me exaltando, talvez uma banda americana com belos vocais femininos, acordes simples e adequados à ocasião. Quis ser sucesso de público, quis emocionar minha platéia, quis ser comentado pelas revistas, elogiado pela crítica... Talvez um Oscar. Ai, como quis!

Talvez seja essa minha tristeza, mas se for essa... Fico ainda mais triste. Triste por ter descoberto que não se trata de um filme. E caso não se trate disso... Não conheço do que se trata. O fato é que não sei como é estar fora dos holofotes, das claquetes, do “luz, câmera, ação”, das capas de revista, das premiações glamourosas.

Hoje a mocinha do meu filme me fez enxergar como eu me encontro mais do que nunca imerso numa realidade que nem de perto foi escolhida por mim. Talvez não por ter ficado sem ela ou ainda por ter passado essa tarde fria sozinho e com medo, mas talvez por ter enxergado como estou preso a um elenco imenso ao qual não sei sair.

O final foi esse, por hora, mas a náusea maior vem do fato de que virão outros, e eu, triste ator sem esperanças, mesmo assim buscarei meu happy end.


FIM

3.3.08

O Onipresente e o Particular

A vida particular, em seu atual estágio de envolvimento com a indústria cultural, toma para si uma necessidade nauseante de se encaixar nas novelas, seriados e todo tipo de material que busca apresentar-se como espelho da realidade, mas na verdade é causa primeira da antítese do real individual no capitalismo monopolista.

A vida banal, a rotina das ruas, a princípio parece o motor do que assistimos nos programas televisivos, sendo eles dramas, romances ou comédias. O pensamento que se tem sobre estes elementos, veiculados pela indústria cultural, nos parecem uma representação fiel, talvez ingênua da vida como ele é. Tal juízo surge como um mistificador que cobre o pano de fundo real de um processo que fatalmente passa pelas relações econômicas.

A indústria cultural atua como o ópio contemporâneo do povo. A religião não mais dita a alienação sem antes passar pelo crivo dos anúncios publicitários e interesses editoriais das grandes empresas de comunicação. Aliado a isso, os meios de comunicação tornam dependentes de sua onipresença, inclusive, os governantes que todos os dias aparecem como protagonistas nas primeiras páginas e principais manchetes do dia, representando a peça da vida no teatro cruel da informação corporativa.

A indústria cultural dita a vida. Todos os dias, ao andar pelas ruas, o que se observa é um espetáculo de clones das personalidades da mídia. Vemos o comportamento forçado de coadjuvantes de um sistema que apenas busca, através da informação e do entretenimento, a distração para uma vida que passa longe do bem-estar colocado pelos holofotes dos estúdios e editoriais das grandes revistas. A necessidade de seguir o comportamento estampado todos os dias na TV é um exemplo cruel de como o sentido dessa relação segue pelas antenas das emissoras e, apenas então, encontra a vida. A TV não representa a vida, mas cruelmente a cria pensando sempre o novo, que é sempre o mesmo, todo instante ao seu público, gerando uma liberdade que passa longe de qualquer devir. A liberdade da indústria cultural limita-nos ao mesmo, aparentando a larga opção.

O amor previsível das novelas gera o “eu te amo” escravizado, o final onde o mocinho sai como vencedor gera a fé no cotidiano e, pior ainda, até mesmo aqueles que não assistem à TV estão paralisados por esse simulacro. A própria imersão nessa sociedade faz com que os “rebeldes da indústria” sejam influenciados. Cada telespectador carrega em seus olhos uma tela, na qual o que assistimos é o mesmo que nas grandes emissoras. Cada palavra, cada centímetro de roupa, cada letra de música cantada, cada relato da vida pessoal confirma, diabolicamente, a onipresença da indústria cultural.

O “grande irmão” já não tem mais a necessidade de observar cada minuto da vida banal. O controle social chega a tal ponto que os indicativos de consumo, em comparação aos anúncios, mostra aos donos da informação e do entretenimento o que se deve ou não ser feito. A cada beijo apaixonado, a cada flash curioso, a cada nota tocada o que se esconde como cosmos é o valor de troca. Ao produzir seus clones, a indústria cultural produz novos homens. Ao reproduzir a arte, agora imutável, como uma idéia fora desse mundo, ela reproduz seres humanos à sua imagem e semelhança. Os artistas foram banidos da república, a arte passou longe das luzes da fama, restando sua antítese que brilha como um ideal, ou melhor dizendo, como ator principal de um drama, com grande sucesso de público.