28.11.10

Questionemos...

Creio que seja interesse comum de grande parte brasileiros que a violência no Rio de Janeiro termine, que a guerra civil na qual a cidade se encontra, já há muito tempo, tenha seu final feliz. No entanto, não devemos nos apegar a ilusões criadas pelo poder público no intuito de atender a interesses econômicos amplamente apoiados pelo show da mídia.

Optar pelo mal é escolha dada aos homens; a violência sofrida é violência colhida; a sociedade, tal como se encontra, é efeito da atuação de cada indivíduo neste meio, seja nas macro ou micro relações. Porém, é importante destacar que alguns homens possuem maior  poder em relação a outros. Assim, a decisão de invadir um complexo de comunidades carentes no Rio de Janeiro, sob o plano de ação que visa exterminar o tráfico de drogas, apenas pode ser tomada por homens que possuam uma das maiores cargas de poder em nosso país. Sobre eles cairão todas as consequências de tal decisão.

O interesse em atrair investimentos privados para a realização da Copa do Mundo e, posteriormente, para as Olimpíadas pode ter sido principal combustível das últimas ações tomadas pelos governos estadual e federal no Rio de Janeiro. Sei que é preferível acreditar que o poder público tem boas intenções em relação a assunto tão delicado, mas, como foi dito acima, não devemos nos apegar a ilusões. Pensamentos descolados da realidade em nada nos ajudarão a promover a paz tão sonhada e em aliviar as consequencias colhidas por todos nós no emaranhado social.

É importante que busquemos resposta para algumas questões ao longo da cobertura midiática da suposta guerra contra o tráfico na baixada fluminense. É importante que se faça tais perguntas - e muitas outras – para que exercitemos a reação contra a tendência, implantada em todos nós, de que a mídia tudo informa e dispensa maiores questionamentos, estabelecendo uma relação perigosa entre informantes e informados: onde estariam os supostos traficantes encurralados pelas forças armadas no Complexo do Alemão? Por que tais ações foram tomadas somente neste momento? As operações se estenderão pelas demais comunidades do Rio de Janeiro? Por que não se discute sobre a entrada de armas e drogas no país, bem como os pontos de produção de drogas existentes no próprio país? Após a ocupação do Complexo do Alemão como se dará a ação do Estado para que o tráfico não retorne à região? Por que é tão difícil para a mídia expor o problema da distribuição de renda como causa material do problema da violência no Rio de Janeiro? Por que se optou em agir naquelas regiões e não em outras? Qual a relação destas regiões com a localização da vila olímpica a ser construída para os jogos de 2016 bem como com as vias de acesso aos jogos, tanto das Olimpíadas como da Copa do Mundo?

Não nos esqueçamos que o bem permanece em potência no coração dos homens, mas que ainda somos tomados por inclinações que nos levam a atitudes egoístas, que não partem do imperativo social da caridade. Assim como nós mesmos, os governantes podem ser influenciados por tais inclinações. Para identificarmos se tal ou tal atitude é alimentada por estas inclinações, não nos resta outro recurso senão apurar os fatos no contexto do tempo material. Desse modo, cabem muitas outras perguntas em vista dos últimos ocorridos no Rio de Janeiro. A proximidade dos jogos talvez não seja algo a ser desconsiderado uma vez que a situação da violência urbana, da guerra de milícias criminosas e do aumento considerável da influência do tráfico na sociedade não é problema atual e ainda não atingiu seu apogeu – creio – no atual momento. Não se trata aqui de julgar gratuitamente os que têm maior poder que nós no atual modelo democrático e econômico, mas de nos defendermos do mal para que possamos atuar em nossa própria sociedade. 

Observemos os próximos acontecimentos permitindo-nos o questionamento frente às informações dadas. Não nos esqueçamos de acreditar no bem e de buscá-lo sempre. Para tal, é importante que se identifique o mal com a finalidade de não aplaudir as trevas em detrimento da Luz.

23.11.10

Os Ninguéns

As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.

Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:

Que não são, embora sejam.

Que não falam idiomas, falam dialetos.

Que não praticam religiões, praticam supertições.

Que não fazem arte, fazem artesanato.

Que não são seres humanos, são recursos humanos.

Que não têm cultura, têm folclore.

Que não têm cara, têm braços.

Que não têm nome, têm número.

Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.

Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.



____________________Eduardo Galeano

2.11.10

Na Medida da Elevação

Aos poucos, a ação de realizar, em você mesmo, uma reforma moral passa a transformar sua vida. Isso implica na sua relação com o mundo - falo aqui tanto das pessoas quanto de tudo aquilo que cerca você e essas pessoas. Assim, a mudança moral, enquanto mudança profunda na conduta que diz respeito a esse campo do comportamento humano, demonstra, aos poucos, causar impactos significativos na própria existência.

A mudança moral carrega alguns perigos que podem surgir ao longo do caminho. Um deles surge no momento em que consideramos que adotar uma nova conduta parte do reconhecimento de que uma conduta anterior era inadequada. Assim, enxergar, nos outros, traços da antiga conduta pode nos levar ao julgamento desses ou ainda fazer com que surjam traços de vaidade em nós mesmos, perigos estes que podem nos desviar da reforma íntima aqui colocada.

É importante não permitir que a vaidade e o julgamento nos batam a porta nesse momento. A humildade e a oração são ferramentas indispensáveis para que tenhamos a compreensão de que, mais do que simples críticos gratuitos das limitações alheias tornamo-nos, na medida da elevação moral, cada vez mais aptos a servir a todos aqueles que ainda carecem de uma nova relação com o mundo em sua volta. A responsabilidade cresce na mesma medida da elevação.

Foquemo-nos apenas em nossas próprias limitações e recordemo-nos sempre de fazer aos outros apenas aquilo que gostaríamos que estes fizessem a nós mesmos.