28.8.08

Razão e Arte em Theodor Adorno

Quando o homem acreditou que conseguiria moldar o mundo à sua razão através das ciências e da matemática, trouxe junto a idéia de que o mundo deveria ser passivo em relação aos conceitos, além de afirmar, de modo definitivo, de acordo com suas pretensões de auto-conservação, que essa razão seria absoluta em relação ao mundo. De acordo com esse pensamento os conceitos possuem todo poder de explicar o mundo. Caberia apenas chegar, através da experiência, a esse conhecimento, a essa possibilidade conceitual frente ao outro.

Isso já faz certo tempo. As ciências positivas ganharam status de sagrado através de uma auctoritas que é a grande responsável pelo discurso acima de qualquer suspeita. O mundo explicado pela razão científica é este que estamos inseridos, mas o que isso significa?

O mundo organizado pela razão científica de longe é um mundo explicado de modo verossimilhante ao mundo mesmo. As guerras, a “fome racional”, a subordinação às leis econômicas e à tecnologia, o fracasso frente à iminência de um desastre ecológico, as doenças psicológicas, a disparidade entre o existir e o viver são os maiores indicadores de que esse mundo, amplamente conceituado e ordenado pela razão científica, tem algo de errado. Mas o que seria esse algo?

A questão que se encontra no núcleo desse problema é a questão sobre o mundo e o conceito: é possível que conceitos puramente racionais expliquem o mundo tal como ele é? Em meio ao fracasso de um projeto que buscava, através da razão, trazer a felicidade humana dentro de caracteres da linguagem sagrada dos matemáticos, o homem se encontra cada vez mais perdido e cada vez menos certo de que sua razão dominadora é capaz de trazer segurança a ele dentro de um cenário hostil, a saber, o mundo natural e seus perigos. O que existe aqui é uma tensão entre a razão e o mundo, e o fracasso da ciência frente a esse mundo nos traz quase que para a estaca zero quando pensamos na efetividade de uma aproximação e de um domínio de uma das partes sobre a outra.

O risco de incomensurabilidade entre as partes é algo considerável, a tensão é evidente. O projeto iluminista não se realizou, embora tenha trazido certo conforto ao homem, mas seria esse conforto bom? Estaríamos seguros dentro de sistemas fechados, ignorando a possibilidade de que esses sistemas isolam-nos do real? O mais curioso dentro dessas questões é pensar que os animais, por conseguirem resolver, de modo nada problemático, os problemas referentes à sua existência, parecem encontrar, de maneira efetiva, a conciliação com esse mundo natural, com o real, não vivendo o isolamento que nossa razão científica nos proporciona.

Nesse momento podemos considerar dois pontos de apoio ao problema colocado:

A) A razão científica não é a razão por excelência, mas uma manifestação da razão que, de certo modo, apresenta-se de forma equivocada. Caberia ao homem, através de um pensar crítico, resgatar o próprio pensar de sua condição de isolamento frente ao mundo, reconhecendo a tensão dialética entre mundo e conceito;

B) A razão, enquanto forma de conhecimento, pode recorrer a outro modo de conhecer para resgatar sua condição inicial, ou seja, aquela condição de pré-isolamento, onde o homem não se refugiava numa razão instrumental para buscar sua autopreservação enquanto espécie.

O que surge aqui é a razão que não se encontra como onipotente, que perde seu caráter mítico-científico, abrindo-se para um novo modo de conhecer. Mas qual é esse modo diferente da razão? Para Theodor Adorno a arte é essa forma de conhecer, onde as regras e sistemas da razão instrumental ou científica não possuem a autoritas de outras formas. Na arte o conceito não encontra lugar, não explica, dentro de suas formas, as manifestações daquilo que é conhecido. É na arte, segundo Adorno, que a razão reconhece sua incapacidade e percebe que não possui status mítico, que não é uma divindade, que não tem poder de vida e de morte.

A arte expõe a tensão entre razão e mundo, podendo fazer com que o homem se situe dentro dessa realidade, recuperando a dialética fundamental perdida pela razão científica. O problema gerado pela modernidade pode ser superado dentro desse resgate da razão tal qual. Por sua característica irracional, a arte ganha status de reguladora. Nesse ponto podemos relacionar a filosofia de Adorno com a filosofia de Nietzsche no que diz respeito ao equilíbrio entre Apolo e Dionísio, ou ainda a busca pela perda do status sagrado que a razão, enquanto “Verdade”, ganhou desde Platão e seu essencialismo.

A busca de Adorno é problemática e seu caminho é longo e talvez aporético, mas não podemos deixar de considerar que a Arte, enquanto modo de conhecer, nos traz a possibilidade de alívio em relação à angústia proporcionada pelo que ele chama de “mundo administrado” (verwaltete Welt). É de conhecimento de todos que a música, a pintura, as artes cênicas, a poesia ou outras formas de manifestação artística nos abrem as janelas de um mundo diferente daquele dos horários, das pressões do trabalho, das cobranças sociais em relação ao que fazer ou como se portar. É na arte que o indivíduo encontra alívio para as tensões modernas.

Nesse momento surge um novo problema em relação à arte: o que aconteceria se essa arte também fosse encaixada nos sistemas racionais, se essa arte se encontrasse dentro do isolamento da razão em relação ao mundo, fugindo da dialética fundamental entre os dois? Os pressupostos do que Adorno e Max Horkheimer chamariam de indústria cultural na obra Dialética do Esclarecimento estão contidas, embora de modo muito superficial, nessa questão.

Por hora, e a partir do que foi exposto acima, cabe pensar no papel da arte no mundo administrado e em quais aspectos do nosso cotidiano esse mundo administrado nos violenta, nos coloca dentro de um todo que, segundo Adorno, não é o real. O que é o real? Talvez pensar, no sentido de racionalizar, não seja, pelo menos de modo absoluto, a saída para tal questão.