3.1.07

O amor natural

Não era desses que se destacava ou pelo menos pensava assim. Não gostava de ter que buscar as coisas. Ora, se tudo vinha de uma natureza determinada, por que as coisas deveriam ser dessa forma? Ao mesmo tempo tinha o poder de enxergar um pouco melhor o que acontecia com as outras pessoas do que consigo mesmo. Tinha raiva de quem demonstrasse muito amor por ele. Não sabia porquê, mas definitivamente não gostava de ser o melhor em nada. O mundo já estava cheio disso.
Amava uma pessoa, mas sabia que a chave de tudo estava em compreender a relação dele com esse amor e sua vida. O amor... Ora, o amor... Sentimento que esconde perigos, mas na verdade o que gera os perigos é a sua não compreensão. Amar é necessário, mas amar de forma igual a todas as criaturas desse mundo. Mas e a reprodução humana? De fato existia esse porém.
Senso comum! Senso comum! O problema não era o senso comum, mas o que havia sido tomado como senso comum. Parece que o mundo inteiro cria uma “natureza paralela” ao afirmar suas inverdades. Parece que o tempo todo você sofre expiação por negar a “natureza paralela” e ao mesmo tempo paga expiação por não exercer direito a sua própria natureza divina. Caridade... Ele deveria ser caridoso. Talvez o livre arbítrio da humanidade a permita ser essa criadora de naturezas artificiais. Afinal de contas o artificial domina nossos dias, assim como a matéria é uma cópia, uma artificialidade de uma essência divina, de um paralelo que existe, de uma idéia constante de tudo.
Mas e a caridade? O que havia de mal na revolução? Matar um bocado de pessoas que não concordem em seguir a natureza. Matar todas e levantar uma bandeira! Burgueses, seus dias estão contados. Pessoas com ódio, mais do que vocês conseguem conter levantar-se-ão contra vocês! E depois? Vitória? E o ódio? Sumiu? Mortos por todo o mundo e bandeiras espalhadas. O terror foi espalhado. Uma violência não muda opiniões. Para quem não concorda com a revolução só resta o silêncio e o medo. Para quem sobreviveu sem concordar com isso só resta o sonhar com um mundo melhor, mas esse mundo será melhor? Uma sociedade crescida às custas de uma reação de ódio em cadeia poderia construir algo que seguisse finalmente a natureza? A natureza divina possui essa dialética? A verdade não se impõe, logo não se nega. A natureza é a verdade. Por que teria que negar-se? Sua afirmação seria a melhor forma de vive-la...
Estava naquela noite pensando em sua vida e atitudes. Escrevia como uma última válvula de escape... Precisava escrever! Ler já não lhe era suficiente. Na verdade, será que ler era mesmo a saída? Será que pensar e escrever não seriam melhores? Sua cabeça estava a ponto de estourar se não fizesse algo. Ouvia AIR, música eletrônica. Eletrônica... Esperava por ela em seu MSN. MSN... Esperava para garimpar como foi o dia da pessoa que ele ainda amava, esperava para poder saber o que ocorria. Perde-la seria como perder a pessoa com quem mais possuía intimidade no mundo, mesmo após o fim de tudo. Mesmo após o fim daquela história toda. Nesse dia havia desistido de sair para ver os amigos. E o que adiantava ficar com drogados? E o que adiantava beber e sorrir... Sorrir para o nada! Esquecer a realidade que não é real... Esquecer a natureza artificial... E o que importava conhecer alguém que pudesse beijar e fazer sexo? Para que essa busca? A natureza aproxima os semelhantes assim como as fatalidades não existem. Assim como o que aconteceu hoje, foi culpa de quem passou por aquilo. A natureza é uma ordem e sua infração gera situações tristes. Tristeza... Não é da natureza... Definitivamente a natureza não é sofrer, mas sua infração gera o sofrer. Algo de fato não natural. Não deveria procurar afinar-se com quem vai contra a natureza, não deveria deixar sua amizade com aquela que um dia havia sido “sua” para ficar com outra pessoa. Com a natureza isso já não tinha nada a ver, mas com sua vontade ainda tinha e muito.
Esquece! Esquece! Ela não te quer mais! O carinho ainda resta, mas aquele “amor”... Peraí... O amor! O amor é da natureza! O amor não te faz sofrer! Isso que ele sentia... De fato não se constituía em amor, mas numa dessas mutações da “natureza artificial”. Sentia-se melhor agora, talvez...
Era só pensar na natureza. Era só entender o que é de fato natural e o que não é! O que de fato seguia o que deveria ser seguido e o que não deveria. Não existe filósofo com suas verdades muitas bem pensadas que recriaria a natureza de uma forma irreversível! Talvez essa seja a aspiração de alguns. Criar alguma natureza que substituísse a natureza divina seria a vitória da dialética sobre a própria verdade. A dialética da antinatureza! Sempre seria assim... A antinatureza seria uma constante na existência. Tolice! A verdade é imutável, pois se não fosse, a própria não existiria.
Agora conversava no MSN com uma nova amiga. E para que se atrair por ela? E pra que fazer alguém achar ruim isso? Egoísmo! Ela já tinha alguém... Alguém com egocentrismo e vaidade o suficiente para se aborrecer com o fato de roubá-la dele. Para afirmar a natureza deve-se... Afirmá-la! Nada mais... Não produzir o sofrimento. Lembra? O sofrimento não é da natureza.
Seja agradável e não desperte desconfiança. Desconfiança! O mal dos dias atuais! Ninguém confia em ninguém e nem mesmo aqueles que querem mudar isso e se reúnem para fazê-lo! O amor é necessário aqui, viu? Não queria ser agradável o tempo todo, mas não podia pensar que ir contra a sua vontade é falso, pois nesse momento sua vontade de não ser agradável iria contra a natureza, logo, era algo que na essência não era de fato natural. Fácil...
Precisava exercer a natureza! O processo que o tirou dela era de afirmação de uma antinatureza ou de uma natureza artificial. A coisa toda começou na infância e piorou na adolescência. Os adolescentes são rebeldes, pois seu próprio inconsciente grita desesperadamente pela natureza! Ele foge como louco da antinatureza! É inútil... Algo sempre é levado mesmo por aqueles que a negam após a vida adulta e muitos dos que a negam criam problemas horríveis de personalidade. Cruel! A antinatureza é cruel! Da mesma forma seria necessário afirmar a natureza. Como se nascesse novamente e voltasse a se desenvolver. Seria necessário forçar-se em todos os momentos. Seria preciso afirmar tudo o que antes foi negado. A negação dos sentimentos de ódio, rancor, egoísmo, ganância e tantos outros.
Não era desses que se destacava mesmo, mas deveria ser assim mesmo. Em todos os momentos em que tentou ser de outra forma se deu mal. Não se tratava de omitir-se, mas de ser aquilo que realmente era. E o que ele era? Apenas sabia aquilo que havia feito, aquilo que havia construído para si e aquilo que havia destruído. Era o mais perfeito espelho do seu ser. A imagem de fato não dizia o ser, pois do contrário não seria a imagem. Seria o próprio ser, mas as imagens são muito úteis. São úteis pra quem não sabe ao certo quem é ou o porquê de ter construído ou destruído algo. E por que o mundo não era assim? Se essa matéria densa e mutável só nos serve para aprender, logo, o tempo material era a imagem de nós mesmos... Era a escola da alma, o espelho de nosso ser. Era a natureza ali, apenas sendo, apenas permanecendo na sua certeza inerte.
E por que a vida era tão mutável? Não percebíamos? Não respirávamos a essência vital? Que mostro nos ocultava o ser das coisas? Que túnel nos levaria ao que é? Talvez ele levasse de volta o passado, mas o passado é imagem... Não queria mais a imagem. Não queria mais ter que perdê-la e nem passar pelo que passou. Queria aprender a amar, mas ainda não sabia como. Como seria melhor amar? O que era de fato amar? Estaria a resposta ou a entrada para o túnel no meio daquilo que ele destruiu? Estaria a natureza ali? Não sabia...
Olhe para dentro de si, observe o tempo. Já tem o passado agora a resposta para o que tanto procura. O que fizeste estar aqui e agora parado frente ao seu espelho vital? O que criaste para que as ações lhe dessem rugas em sua face mutável e sonolenta? Acorda para o tempo porque é a ele que deves apegar-se nesse momento. Vivemos em máscaras, vivemos em situações onde o palco nos ilumina e apenas nós... Apenas nós protagonizamos a nossa existência em meio a um vai e vem de convidados. O tempo é espelho, mas também é busca... É prisão, mas também é a saída. De tudo na matéria o que mais nega a eternidade, mas o que mais nos projeta para ela é o próprio relógio!
Naquela noite na mais quis ligar seu computador, não mais quis odiar... Naquela noite percebeu que o amor era aquilo que não havia ainda sido, mas que ainda poderia ser muitas outras coisas além do que foi. Não havia resposta pronta, mas o túnel existia e nos destroços da vida procurava por si mesmo e de fato sabia que no mínimo ainda era movimento e se alguém ousasse pará-lo, olharia serenamente para esse alguém e o amaria apenas. Era o sinal de que a natureza de fato existia em algum lugar dentro dele.

Um comentário:

Elaine Cristina disse...

Tenho lido seu blog... suas crises te inspiram a escrever coisas belas. Do que não se pode falar, deve-se citar, eu cito Merleau-Ponty:
"A idéia de ir direto ao fim é uma idéia inconsistente, se refletimos sobre isto. O que é dado é um caminho, uma experiência que esclarece a si própria, que se retifica e prossegue o diálogo consigo mesma e com o outro. Portanto o que nos arranca da dispersão dos instantes não é uma razão acabada, é - como se disse sempre - uma luz natural, nossa abertura a alguma coisa. O que nos salva é a possibilidade de um novo desenvolvimento e nosso poder de tornar verdadeiro mesmo o que é falso, repensando nossos erros e recolocando-os no domínio do verdadeiro."
Abraço