20.5.07

De que lado eles sambam?

Lembro-me que no ano de 2005, o cantor da extinta banda Planet Hemp, Marcelo D2, foi consagrado com o prêmio de melhor artista de MPB. Isso ocorreu na premiação anual da MTV Brasil, emissora filhote da matriz norte-americana. Na ocasião o cantor agradeceu o prêmio, mas disse que não sabia o que estava fazendo ali, pois nem ao menos gostava de MPB. Tudo isso com um certo tom de deboche e risada no canto do rosto. Na época não achei nada daquilo, nada mesmo...

Ainda outro dia, assistindo um programa da mesma MTV onde o João Gordo visita a casa dos entrevistados, lá estava ele... O mesmo Marcelo D2, em sua luxuosa casa, mostrando sua coleção de sei lá quantos tênis, afirmava mais uma vez o que havia dito na noite da premiação. O entrevistador, mais do que depressa apoiou Marcelo D2, que mais uma vez declarava seu pouco caso com a MPB. Dessa vez aquilo de certa forma me incomodou, mas ainda permaneci calado...

Algum tempo depois, após ter, por coincidência pesquisado sobre MPB ao me interessar pela obra de Nara Leão e após ter assistido ao documentário de Vinícius de Moraes no canal Brasil, da TV a cabo, lembrei-me desses dois ocorridos com Marcelo D2. Agora já “acho” algo sobre tudo isso... Posso dizer...

Marcelo D2 tem todo o direito de não gostar de MPB, logicamente. Tem todo o direito de achar que não havia motivo algum para que ganhasse o prêmio de dois anos atrás da emissora norte-americana, mas acho que respeito era o mínimo que se poderia esperar de um estilo musical que tanto fez pelo Brasil nas décadas de 50, 60 e 70.

O Brasil viu nascer no Rio de Janeiro, entre os biquínis tímidos um novo estilo musical, algo que nunca tinha sido visto. Com influências do jazz norte-americano Vinícius de Moraes fazia poesia em meio a arranjos totalmente novos e bem elaborados, mas uma poesia simples, uma poesia que falava sobre as coisas da vida corriqueira, os sentimentos mais comuns entre os homens. Ele retratava o que via e vivia pelas ruas do Rio de Janeiro, mas que certamente estava estampado nos corações de milhares de brasileiros. Era um poeta de talento que desistia de escrever poemas difíceis e de linguagem entendida por poucos. O poeta descia ao mundo para festejar junto aos seus semelhantes e não pedia mais nada... Vivia apenas de sua arte popular. Nascia a Bossa Nova...

Com a ditadura militar nos anos 60, músicos que já despontavam nas rádios e viravam febre entre todas as classes sociais, deram seu tom político à MPB. Não só Vinícius, mas Nara Leão, Chico Buarque, Caetano Veloso e tantos outros (cito os que eu mais conheço por serem os mais populares nos dias de hoje) enfrentaram com sua arte o exército repressor. Representavam o que realmente deve representar a arte: o espírito humano em uma de suas mais belas formas de expressão; o grito de um povo que desejava de todas as formas expressar a sua indignação, seu anseio por dias melhores, sem medo, sem repressão, sem censura. Sim, esses artistas transformaram o “um banquinho, um violão” em palavras de ordem e nem mesmo a grande mídia pode calá-los. Muitos foram exilados e sofreram as conseqüências por tudo isso.

Alguns podem dizer que essa cultura que emergiu em meio ao caos ditatorial era a cultura vinda das elites. Que eles eram filhos de intelectuais, ou da classe média carioca que na verdade estava pouco se importando com tudo aquilo. Mesmo que fosse... Esses artistas desceram do pedestal de suas classes, andaram pelo chão onde todos pisavam, beberam nos bares da plebe e divertiram-se nos bordéis operários da clássica capital carioca. Eles desprendiam-se de seu dinheiro, nem pensavam em ostentar o luxo em que poderiam estar vivendo pelo simples motivo de que queriam viver, viver a vida; viver o Brasil que pulsava por algo que todos sabiam o que era, mas ninguém podia falar. Nara Leão já protestava no musical “Liberdade, Liberdade” e com Zé Kéti mostrava os anseios de seu povo no show Opinião, Vinícius dizia “é melhor viver do que ser feliz”! Nunca a arte e o povo viveram em tamanha comunhão de idéias, nunca o Brasil foi tão belo, mesmo em dias difíceis e que deveriam ser mudados. Enfim, éramos lutadores a nossa maneira, mas lutadores...

E hoje? O que temos? Vemos o sucesso da globalização, o mercado de consumo eufórico, a alegria falsa de um povo que ainda festeja um presidente que se diz do povo, mas que apenas contribui mais e mais para a nossa alienação ao sistema voraz e perecível... Dias difíceis... Eu diria, piores.Vemos a cultura norte-americana dentro do nosso cotidiano, vemos a música emprestada dos nossos colonizadores culturais pulsar nos TOP 10 das rádios POP. Vemos Mano Brown, cantando contra o sistema, mas ao mesmo tempo clamando para sua classe um lugar ao sol, um lugar no mercado de consumo, um lugar para poder estacionar seu carrão movido a pó e Tupac. Vemos os guetos norte-americanos adentrarem as favelas com suas negras esculturais e sua moda hip-hop de shopping center.

Sim, amigos... Minha geração cresceu ouvindo do mesmo Marcelo D2 que debochou da MPB cantar “Legalize já”. A geração que antecedeu a minha, cresceu assistindo aos punks nos anos 80 gritarem seu discurso anticapitalista vazio, herdado das bandas inglesas dos anos 70. Sex Pistols, a banda montada por um produtor com o intuito de ser diferente, rebelde e suja para vender... A mídia sempre adorou tudo isso. Legalize já, foda-se o sistema... Enquanto estiverem gritando isso está bom demais...

Temos a arte absorvendo cada vez mais o estilo de vida pequeno-burguês. João Gordo e Marcelo D2 fazendo propagandas de carros, engordando com o caldo grosso do dinheiro fácil e alienado. “Usar o sistema em benefício próprio”, ouvi uma vez de João Gordo. Nada mais pequeno-burguês que isso... “Vídeo-game, filho na Disney...” É isso que Marcelo D2 coloca hoje em suas letras. A favela feliz, o samba globalizado, a atitude vazia em meio ao caos imperialista. MPB é mesmo uma merda!

A arte não mais reúne o povo em uma só voz, os rádios não mais tocam o que todos querem dizer, mas não pode ser dito. Será que todos querem dizer ainda algo? Será a arte de hoje a manifestação alienada do espírito humano? Temo então pela absolvição dos nossos “artistas”. Temo pela banalização do nada!

Hoje, lembrando do ocorrido em 2005, o que me entristece é que Marcelo D2 tenha recebido naquela noite o prêmio de Melhor Artista de MPB. Sinto como se fosse uma piada, como se o que um dia foi de fato a verdadeira música popular brasileira tenha virado, assim como todo o restante, um produto perecível e de falso brilho. Se for mesmo assim, creio que de fato muitos dos nossos “artistas” de hoje realmente possam dizer que odeiam MPB, uma vez que eles, com sua atitude e “talento” não teriam o menor destaque e nem poderiam um dia rejeitar uma cultura que um dia já foi bela, mas que hoje perece cada vez mais.

Agora me diga: de que lado ELES sambam?

Um comentário:

Unknown disse...

A cada dia melhor...não me canso de dizer isso nunca!!!! Queria que vc publicasse esse texto em mais algum lugar, Cruj...só aqui ainda é pouco...esse texto é riquíssimo sem ser burguês ou apelativo!!!