2.11.05

Pensamentos soltos

A Matrix nossa de cada dia

"Come o teu pão.
Bebe o teu café.
Dê um beijo em sua esposa.
Sinta ódio de sua esposa.
Sinta ódio de seus filhos.
Leia no jornal as matérias econômicas.
Pense no seu emprego.
Dirije o seu carro.
Pense no seu chefe.
Você também odeia seu chefe.
Trabalhe e se preocupe.
Vire e revire seus papéis:
Quando você vai achar sua vida?
Ame os clientes simpáticos.
Seja gentil com os clientes antipáticos.
Saia para o almoço.
Coma no fast-food mais próximo.
Não olhe para as pessoas ao lado.
Não deixe que elas reparem
No seu cabelo um pouco desalinhado.
Volte para o trabalho.
Olhe para os seus colegas.
Sinta o mesmo desespero inútil.
Escute a fofoca sobre a mulher do chefe.
Lembre-se da promoção que te prometeram.
Inicie novamente o expediente.
Que vontade de apagar com errorex
A hipocrisia dos funcionários e clientes da empresa.
Mas você precisa dar de comer ao governo
E à família que você tanto ama (odeia).
Depois volte para a casa.
Mas antes passe no inglês para pegar seu filho.
Imagine-se tirando a calcinha da sua secretária.
Agora lembre-se da gordura da sua mulher.
Sinta ódio mais uma vez da sua mulher.
Em casa ligue a televisão.
Coloque no programa do Ratinho:
"Homem mata os pais por amor a uma boneca inflável".
Mude de canal.
"Dólar passa da casa dos três reais".

Mas continue vendo a televisão.
Principalmente as propagandas.
Ria da tartaruga dos comerciais de cerveja.
Sonhe com o carro viril e potente.
Participe do concurso da pasta de dentes.
O Jantar está na mesa.
Janta. Coma. Não mastiga. Engula.
(Como você vem fazendo durante todo esse tempo)
Pergunta a teu filho como foi o dia na escola.
Aborreça-se por ele não ter feito o dever de casa.
Agora durma. Sonhe com os anjos.
Afinal, você é um cidadão exemplar, você merece.
Só não esqueça de pagar amanhã, água, luz e telefone.
Fique de joelhos e faça tua oração mecânica.
Com certeza, o bom Deus abençoará a sua vida medíocre."


trecho da obra
"Espelhos Efêmeros", de Thiago Maia

***

Fragmentos de uma ideologia

Da mídia

OS CONTROLADORES - "Vamos ter artistas para entretê-los e esses artistas passarão a imagem do que se deve ser. Eles terão boa vida e essa vida abastada servirá de exemplo para que procurem sempre chegar a ela e que essa busca seja infinita. Ninguém quer trabalhar, mas sabem que são obrigados e que a única forma de saírem dessa roda é possuindo dinheiro. Que o entretenimento seja a libertação! Um ou dois dias, uma noite, algumas horas de alegria! Álcool, drogas, sexo... Bens que podemos vender a todos e que também consumimos. Quanto melhor, mais caro. Você quer? Trabalhe e se esforce. Não se esforça? Vagabundo! Uma vergonha para seus pais que lutaram a vida inteira para você ter alguma coisa.
Os jovens, biologicamente inconstantes e inconformados, como vamos insistir em frisar, também terão seus exemplos. Artistas que pregarão a revolta ao sistema (seja lá o que signifique isso) e contra a falta de liberdade. O seu visual será igual ao dos jovens, totalmente incompatível com o que seus pais vestem e quando crescerem e precisarem trabalhar, darão-se conta de que aquilo foi apenas uma fase, coisa de jovem rebelde sem causa. Agora crescido e responsável, o ex-adolescente agora está pronto para nos servir e ser mais um deles.
Modelos, músicos e atores vão refletir o mito. Suas vidas serão vasculhadas. A TV será um mundo dos sonhos onde é quase impossível de se chegar. Ela estará nas salas e quartos, nos restaurantes e estabelecimentos comerciais em geral. Sempre em destaque como se estivesse num altar. Ela formará opinião e passará nossas idéias para as massas. Seus ídolos serão como faróis em um mar revolto e seus noticiários a expressão da liberdade de informação. Um marco na cultura!"

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