12.1.09

Acordava, tomava seu café apenas após um longo enfrentamento com o fim do sereno, com o fim do sono. Apenas sob pressão fazia planos para seu dia. Encontrava em cada fresta do espaço e do tempo um quebra-cabeças, sendo ele material, virtual, psicológico, ou qualquer coisa que ocupasse uma poeira de sua existência. Nesse quebrar e desquebrar de cabeças, procurava manter a sua própria sob vigilância, vigilância permanente. Enxergava o medo nos outros, apontava-lhes suas fraquezas, mas não com maldade. Começava, aos poucos, a enxergar em si o dom divino de perder-se no todo, de esquecer de si mesmo. Quando o amor lhe apontava sua chama dolorida, dava um passo atrás... Nesse quebrar e desquebrar cotidiano havia perdido a si mesmo. Não poderia se reencontrar. Ou poderia? Poderia voltar a olhar-se no espelho da felicidade? Poderia voltar a ser o egoísta? Ser egoísta significaria voltar à antiga vida, voltar ao flagelo de ser ele mesmo, de mergulhar em seu interior descabido, desmedido, desfibrado, mas não desquebrado, pelo contrário... Naquela noite havia surgido mais um quebra-cabeças, mas este era um daqueles tipos que apontavam para um perigo já conhecido. Pensou em guardar imagens daquilo que o atraía, mas foi com calma, analisou os fatos que convergiam-se em códigos binários. Estava orgulhoso de si mesmo, pois o novo quebra-cabeças vinha de uma antiga vontade de conquistar um estereótipo há muito admirado. Sentiu-se bem e, embora os tempos fossem outros, começava a gostar de si mesmo mais do que de costume, embora ressabiado. O quebra-cabeças ainda estava fragilmente colocado sobre a tela branca e fria, tão fria quanto a cidade que já não mais o atraía, tão fria quanto as manhãs de sereno que o levavam ao trabalho, ao almoço, ao antigo progresso, a uma felicidade exibida que agora o circulava. Não guardou as imagens nem quis mais pensar naquilo, mas não queria apagar a fagulha, embora ainda pudesse. Todo sofrer é uma forma de perder as rédias de algo que o incomoda, e de certo modo, naquele momento, mesmo que com muito cuidado, deixava que aquelas imagens permanecessem borradas, mas não ausentes. Não havia motivos para deixar de lado o que o tentava a aguardar e manter seu ego em alta. A imagem borrada permanecia como a cópia da cópia da cópia. Simulacro ou não, a cópia não lhe trazia informações suficientes sobre até onde iria o real e o imaginário naquele momento. O fato é que gostava daquilo, e talvez se permitisse sofrer um pouco. Havia aprendido onde conseguia moldar-se, onde conseguia rastejar seu corpo dúbio por entre os bancos sujos do ônibus matinal, por entre fórmulas que para ele nada mais diziam do que o risco de morte e vida de um sonho, mas essa era outra história. Aprendera a ser forte! E por que não contrariar sua diluição, trazendo um pouco de si para sua própria existência? Texto, contexto, pretexto... Naquela manhã fez o habitual, logo após trabalhou, almoçou, trabalhou novamente, retornou à sua casa, fez todas as bobagens que o mantinham longe de si, moveu lentamente as peças do quebra-cabeças. Nada de significativo havia mudado naquele dia. De fato as coisas ainda estavam sob controle... A imagem ainda era um fragmento lutando para destruir um mundo! Vez ou outra vivia estes momentos em que procurava negar o divino dentro de si. Todos carregam em si o divino, mas negá-lo também significa viver. Pecar é apenas brincar dentro de si buscando, fora do contexto, a dor que lhe aponta o ser de algo que ainda não sabe que é...

Um comentário:

Elaine Cristina disse...

Seu personagem tem um pouquinho de quem descobre a si mesmo, talvez de quem se dá conta do seu lugar na sopa... Ainda que para essa descoberta seja necessário um gênio, maligno talvez, que as vezes aparece para incomodar e fazer dar conta do absurdo que é viver da forma como vivemos.
E para não variar, Valéry: "...sofrer é dar a algo uma atenção suprema." E o personagem desse texto, seja lá quem ele for, é um pouco o homem da atenção!