7.6.08

Educação e Repressão

Segundo o Censo realizado em 2000 pelo IBGE, aproximadamente 84% da população brasileira com cinco ou mais anos de idade são alfabetizados, ou seja, existe um percentual de 16% de não-alfabetizados, o que equivale a 24 milhões de brasileiros que não sabem ler e escrever. Sobre esses não alfabetizados, constatou-se que mais de 10 milhões de pessoas, nas regiões Norte e Nordeste, com idade a partir de 10 anos são analfabetas1.

Estes e muitos outros números explicitam a situação precária de grande parte da população em relação à educação em nosso país. O índice de analfabetismo deve-se a inúmeros fatores, entre eles a taxa de evasão escolar, devido ao fato de que muitas crianças e adolescentes têm que abandonar a escola para trabalhar e ajudar suas famílias, além do fato de que, em muitos locais do país, não existem escolas próximas aos locais de moradias dos alunos, o que obriga muitos deles a deslocarem-se por horas de suas regiões de difícil acesso para outras regiões mais centrais.

A discussão que surge a partir de tal situação pode tomar os mais diversos rumos. Pode-se criticar o fato de que os governantes não constroem escolas o suficiente, que se deve melhorar a distribuição de renda para que a evasão escolar reduza entre aqueles alunos que necessitam abandonar os estudos para trabalhar, que a estrutura do sistema de ensino – e tudo o que decorre ao termo – deve ser modificada, ou ainda, que os professores devem ser remunerados de uma forma mais adequada.

Em sua obra Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado2, Louis Althusser coloca a escola como um aparelho ideológico pertencente ao Estado. Tal aparelho visa a reprodução de relações fundamentais para a manutenção da dominação de uma classe sobre a outra. No sistema capitalista, as relações de produção devem ser garantidas para que o sistema siga sua lógica econômica. O Estado, enquanto aparelho repressivo mantém não só aparelhos ideológicos, mas também aparelhos repressivos que ajudam a manter as relações de produção, que na realidade são relações de exploração.

Essas relações não seriam possíveis não fossem os aparelhos que garantem sua continuidade. Os aparelhos repressivos surgem para manter a exploração em dia, enquanto os aparelhos ideológicos mascaram tais relações, fazendo com que os indivíduos não enxerguem suas relações dentro dessa lógica imposta. A Escola aparece como o principal desses aparelhos ideológicos, segundo Althusser, uma vez que mantém uma relação com o indivíduo desde cedo e durante um tempo muito maior que os demais aparelhos.

István Mészáros, em sua obra A Educação Para Além do Capital3, coloca como grande desafio para a educação a luta contra uma lógica incorrigível. Nesse sentido, a lógica capitalista e todas as suas formas de interiorização devem ser combatidas por uma educação libertadora, que não sustente o pensamento surgido a partir dessa interiorização. Sua grande crítica, ao longo da obra, direciona-se para o pensamento que defende uma reformulação da educação que mantém os processos de internalização da lógica capitalista, implicando todas suas relações necessárias. Tal reformulação, ao manter viva uma lógica obscurecida pela ideologia dominante, não proporciona nenhuma transformação real das condições de exploração do sistema. Segundo Mészáros, não é possível transformar as relações de exploração sem que se promova um rompimento com todas as estruturas formais do capitalismo. Dessa forma, as soluções no âmbito educacional devem ser essenciais, no sentido de que devem dar conta de todas as relações sociais e suas implicações, em oposição a uma educação formal, que fragmenta essa visão essencial, e promovendo a manutenção de uma lógica incorrigível.

A partir das visões colocadas, podemos analisar os diversos rumos colocados acima para uma possível melhora do ensino em nosso país. De fato, dentro da lógica do capitalismo, muitas soluções – se não todas elas – são profundamente aceitáveis, mas o que devemos observar, nesse momento, é o fato de que tais rumos ou soluções propostas não rompem de fato com as causas essenciais dos problemas observados. Toda a crise da educação no Brasil pode ser vista como uma falha administrativa, como um erro econômico, como um descaso por parte dos governantes, ou ainda um reflexo das condições ainda precárias de diversas regiões do Brasil. Tal visão é verdadeira, mas segue presa a uma lógica mistificadora. Ao se propor as soluções expostas ou se avaliar suas causas do modo como observamos acima, mantemos uma relação superficial com uma estrutura formal que se mantém obscurecida por esses mesmo discursos que buscam apenas uma reformulação da educação posta, caindo no erro explicitado por Mészáros.

A função do Estado, juntamente a todos os seus aparelhos ideológicos e repressivos, segue a lógica abordada por Mészáros para buscar um rumo transformador da educação. Através dos rumos reformistas colocados acima, podemos identificar como toda mistificação desses aparelhos formais transforma a consciência dos indivíduos, bloqueando qualquer possibilidade de uma mudança significativa das relações de exploração mantenedoras do sistema capitalista.


1 Números retirados de www.ibge.gov.br. Acessado em 06 de junho de 2008.
2 ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. Lisboa: Editorial Presença/São Paulo: Martins Fontes, 1980.
3 MÉSZÁROS, István. A Educação Para Além do Capital. Trad. Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2005.

7 comentários:

rafael andolini disse...

adam smith vive!!! \o/

PuLa O mUrO disse...

Bacana seu ponto-de-vista, apoiado em Althusser e Mészáros, relacionando o ensino ao modelo capitalista. Se te interessar, abaixo deixo elo para outro ponto-de-vista a respeito do ensino no Brasil, relacionando-o a uma crise de valores da sociedade atual. Abraço!

http://pulaomuro.blogspot.com/2008/06/sobre-atual-crise-de-valores-causa-da.html

Anônimo disse...

William, aqui é a Priscilla do Movimento Humanista... tô procurando teu email para te escrever!

Tô querendo te convidar para o www.forumhumanistabrasileiro.org . Me manda teu email novo, o do UOL voltou! O meu é prilhacer@yahoo.com

Graaaandes abraços (ótimo blog, hein? Muuuuuito bom mesmo)

rafael andolini disse...

[again...]
a piada é: precisamos mesmo de educação?

Unknown disse...

Seu texto está bem estruturado, mas há algumas coisas que tenho a considerar. A função do Estado para com a Educação é proposital, ou seja, é difícil ver uma mudança na educação como no seu texto coloca, ou como você escreve, uma educação libertadora.
Será que realmente as pessoas precisam de escola para aprender alguma coisa? A instituição escolar é um modelo falido, ou como diz Ivan Illich, é melhor pensar numa sociedade sem escolas. Uma vez que a repressão começa justamente no fato de que todas as pessoas são OBRIGADAS a frequentar a Instituição escolar, este é um descalabro que as pessoas não discutem e precisa ser discutido!

William Dubal disse...

Marco, não li Ivan Illich, mas dentro da idéia exposta pelo meu texto podemos entender a sociedade sem escolas como um rompimento das estruturas lógicas e formais onde está colocada a educação dentro do sistema capitalista, ou seja, é uma idéia aceitável.

Nesse texto não busquei exatamente o que seria o desdobramento dessa quebra com a lógica, mas apenas a importância quebra em si. O que isso geraria pode até mesmo cair na pergunta que o Rafael fez acima: "precisamos mesmo de educação?".

Anônimo disse...

Concordo contigo, a questão posta é se precisamos da Instituição Escolar como modelo de Educação,pois as Instituições apenas institucionalizam o homem e não o educa, pelo contrário, o reprime,e para isso existem diversos mecanismos que em minha leitura educacional está muito relacionado com os métodos educacionais que procuram tratar todos (no caso digo aqui os homens) como se fosse um só! Esse é o grande mal da educação...