24.8.07

O que resta?

Em uma nação, os investimentos em educação devem se guiar pela renda da maioria de sua população. Um exemplo disso é o fato de que grande parte dos alunos carentes da rede pública de ensino vêm de famílias desestruturadas, além de morar em um ambiente que em nada se parece com aquele exposto nas telas de TV pela cultura de massa. Sem esperanças em uma vida melhor, sem amor familiar muitas vezes por ter sido apenas mais um filho em famílias com tantos outros, esse aluno não encontra em lugar algum, muito menos na escola um ambiente agradável e acolhedor. Quanto mais pobre e esquecido pelo Estado, mas ele necessita de um espaço dessa grandeza.

Quando a família não basta, quando as estruturas familiares deixam a dever para o futuro cidadão, cabe ao Estado acolhê-lo. A escola é uma extensão da família, mas não deve em momento algum depender de suas estruturas. A escola deve, sempre que a família não der conta de dar uma base sólida de ordem psicológica, moral e social ao aluno, fazer tal trabalho. Se o aluno carente passar pela escola, e ainda nessa não encontrar esse acolhimento, correrá o sério risco de viver em estado de exclusão pelo resto de sua vida, embora ainda possa encontrar por outros meios que não serão tratados por aqui, o caminho certo para uma vida digna.

O Estado deve, em nosso país, investir fortemente em educação. Deverá ser o maior investimento já feito em nossas terras para que dê conta de tamanha população excluída dos recursos mínimos para uma boa qualidade de vida. O Estado brasileiro investe fracamente nessa área. O aluno carente em momento algum encontra satisfação em entrar em uma escola, embora viva em um ambiente onde as condições estéticas e morais encontram-se depauperadas. Não seria nem um pouco difícil concorrer com esse ambiente encontrado nas favelas e demais bairros periféricos do Brasil. Não seria difícil criar um ambiente agradável, com profissionais bem treinados e remunerados, onde as crianças e jovens excluídos pela sociedade capitalista esquecessem por algumas horas de suas situações precárias de vida e de seus ambientes familiares frágeis. Nesse momento a educação não seria mais uma coisa desagradável na vida do aluno, mas um prazer que até o presente momento parece uma utopia em nosso sistema de ensino. Obviamente não podemos generalizar o comportamento humano dizendo que todos esses alunos teriam um excelente rendimento em seus estudos, mas não é necessário um grande estudo para se afirmar que o ensino ganharia muito com tais ações.

O cidadão que tem um ensino de qualidade, desenvolve internamente características que, se não estimuladas, poderiam permanecer imersas dentro de si por toda sua vida. O corpo sedentário atrofia-se assim como o intelecto, o corpo que se droga definha, assim como a mente que se ocupa de coisas inúteis envenena a alma. Uma educação de qualidade forma um ser consciente de muito mais coisas, pois seu mundo se amplia, sua linguagem enriquece e recorta o mundo de muitas formas. Em outras palavras, quem tem um ensino de qualidade é livre em seus pensamentos e ações muito mais que aquele que nunca entrou em contato com os estímulos cognitivos necessários ao saber. Espíritos críticos brotam em nossa sociedade ao semearmos a educação de qualidade que tanto sonhamos.

Sendo essa uma tarefa de grande esforço financeiro, mas não prático, por que o governo, que investe tanto em seus bancos em meio à crise financeira mundial, não faria esse pesado investimento em educação? Vivemos em um sistema econômico onde a livre-concorrência dos mercados virou uma briga comprada pelo Estado. A lógica é que, quanto mais enriquecemos e distribuímos a renda nacional, mais ampliamos o poder de consumo de nossa população. O capital gira mais, o país enriquece, chegam os investimentos de outros mercados e com isso o social, que aqui apresenta-se como posterior à economia, cresce juntamente. A educação, a saúde, os transportes e tantos outros serviços públicos devem submeter-se à economia para obterem melhorias. O governo pode investir em todas essas áreas, mas espera que a economia se fortaleça mais para que não fique para trás no mercado financeiro. O Estado não mais se preocupa com seus serviços essenciais em primeiro plano, mas sim com a forma como vai gerar e girar a riqueza de seu território.

Penso que a espera pelo crescimento econômico é um caminho por demais tortuoso e longo. A educação geraria uma nova sociedade, evoluiria a cultura de nosso país e criaria cidadãos com muito mais possibilidades de melhorar as condições sociais de nosso país ao desenvolver uma postura crítica e de ação. A preocupação fundamental com o crescimento econômico dá bases para o egoísmo e gera um ciclo que temo não chegar ao fim. O problema é que esse modelo de desenvolvimento é aquele defendido por todos os nossos governantes e criar uma sociedade crítica traria para esses sérios problemas. A sociedade não pode colocar em suas mãos as decisões acerca do Estado segundo eles. A cultura de massa deve permanecer como o principal meio de propagação das idéias que trazem para a sociedade uma cultura consumista e alienante.

Os países desenvolvidos possuem uma educação de qualidade em comparação aos menos favorecidos e nesse ponto toda defesa da educação dilui-se. A educação não conseguiu despertar uma consciência contra a lógica capitalista nas pessoas, pois nesse momento a cultura de massas aparece como o grande vilão. A economia consegue de uma forma muito mais eficiente dar conta das demandas do Estado, mas a comunicação de massa ainda permanece para que o simulacro do consumo permaneça nas mentes e gire a economia de varejo. O problema nesses países veio justamente do fato de que os investimentos nos serviços essenciais do Estado aguardaram o crescimento econômico. A alienação cresceu juntamente com a economia e a própria educação se dá dentro dessa cultura. A luta pela consciência foi perdida nesses territórios até o momento.

A luta pela educação deve se dar de forma urgente nos países pobres, mas não encontro soluções para que possamos proporcionar tal reforma sem cortar laços definitivos com nações poderosas sem criar no imaginário mundial, uma imagem semelhante a Cuba. O isolamento econômico seria a melhor solução? Investir em educação significaria fugir de uma série de obrigações que nossos governantes possuem em relação ao sistema capitalista. Fugir de tais obrigações geraria um ambiente de conflito geopolítico perigoso e tenso. Comprar tal briga de longe está nos planos de nossos representantes...

Trago a todos a um beco sem saída, onde expresso minha crise. Sou professor da rede pública e nesse momento penso que apenas o prazer de ensinar me faz continuar nesse caminho. Meus ideais estão vazios e sem a mínima sustentação. Se esse texto apresenta falhas ou contradições, é porque os ideais que impeliram-me à docência encontraram uma luta de proporções imensas e angustiantes.

Restam as relações humanas, o amor ao ensino e ao conhecimento. Resta a esperança, essa não precisa ser racional, mas puramente intuitiva... Salvo-me fora de mim!

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