Nas relações do mundo uma boa forma de aplicar o dualismo forma e conteúdo é afirmando que forma é tudo aquilo que diz respeito às materialidades da existência e conteúdo a tudo aquilo que preenche idealmente a estas materialidades.
O Natal é data riquíssima no que diz respeito a sentimentos despertados nas pessoas imersas nas diversas culturas espalhadas pelo mundo. E para este despertar de sentimentos não é necessário que o indivíduo esteja inserido em um país cristão ou que tenha predomínio do cristianismo – e isso revela uma das faces do Natal – pelo motivo exato de que, se o cristianismo não é predominante nas diversas culturas, o sistema econômico que se utiliza desta data como motivo de lucro, este sim é predominante.
A cara dos lugares muda com esta data, seja por meio das incríveis árvores de Natal encontradas nas grandes capitais mundiais ou por meio dos demais enfeites encontrados por todos os cantos (inclusive em nossa própria casa), a atmosfera é transformada pela mudança nos estímulos visuais encontrados no cotidiano. A forma aqui é uma representação alegórica do que representa o Natal sob determinado aspecto. Para compreendermos este aspecto seria necessário investigarmos a origem da criação de tais formas alegóricas na história, buscando compreender o que cada uma representa, mas tal investigação não cabe na finalidade do presente texto. O que buscamos, no momento, e a partir daqui, é nos concentrarmos no conteúdo.
Com o passar do tempo as inspirações que criaram as formas acima descritas foram se modificando. Os enfeites e árvores espalhados pelas cidades e residências perderam uma explicação histórica – por isso dizemos que seria necessário investigar suas origens para compreende-las -, existindo propriamente por força da tradição vazia de idéias. É justamente na perda desta afirmação histórica que a sociedade administrada abre caminho para que as forças econômicas atuem. As formas alegóricas do Natal, na atualidade, passaram a afirmar aos espíritos, que circulam entre suas luzes, que a ordem dos dias que seguem até o grande 25 de dezembro é o consumo. O conteúdo que preenche as alegorias natalinas é a idéia da posse e da maior realização do materialismo (no sentido oposto à espiritualidade) presente na personalidade humana.
Não importa qual a cor das luzes, o tamanho da árvore ou o tom do vermelho da roupa do Bom Velhinho. Como não existe uma consciência coletiva ambulante responsável pela adesão ao consumo, podemos dizer que a marca do sucesso do Natal consumista é a adesão da individualidade humana ao seu modelo capitalista. A forma aqui não tem a menor importância, a embalagem do presente é secundária quando o que está realmente brilhando na ordem das importâncias é o valor implícito culturalmente em cada lembrança natalina. Se na arte a articulação dos conteúdos da à forma importância máxima, nas relações fora do campo estético o conteúdo é determinante para que as formas adquiram tal ou tal sentido.
Mas em meio ao cenário encontrado atualmente, no qual as luzes de Natal representam cifras a brilharem no mercado de consumo, qual seria o conteúdo oposto ao que preenche as famigeradas formas natalinas? Antes de qualquer coisa é importante estabelecermos um juízo de valor para a relação entre forma e conteúdo do Natal capitalista. Devemos lembrar que, ao ter sua origem principal num aspecto religioso, a data referente possui, como principal conteúdo histórico, a força de aspectos morais trazidos a partir do momento em que ocorre a celebração do nascimento da maior expressão moral do ocidente, a saber, Jesus Cristo. Temos, neste momento, uma imensa contradição quando comparamos o conteúdo primário do Natal com o conteúdo atual. O Cristo representou um conjunto de valores morais e espirituais, valores estes que entram em choque quando dizemos, como acima, que o Natal capitalista vem para afirmar e realizar fortemente a natureza materialista impressa em cada indivíduo. Mais ainda, a contradição exposta vem para afirmar que a adesão ao modelo materialista aponta para o fato de que a tendência moral e espiritual ainda é colocada em segundo plano quando contrastada com tudo o que é perecível, refletindo exatamente o tipo de sociedade na qual vivemos.
Se a realização do modelo atual de Natal depende da aceitação dos valores – ou da ausência de valores – oferecidos aos indivíduos sociais, logo a mudança individual torna-se importante para que estes mesmos indivíduos passem a introduzir, nas formas apresentadas, seu próprio conteúdo. A perda do aspecto espiritual que originou o Natal nos lembra a parábola do semeador, na qual a idéia principal nos afirma que os valores morais não cultivados adequadamente perdem força e são esquecidos no transcorrer do tempo. Os valores colocados pelo Cristo foram, ao longo dos séculos, ou esquecidos ou transformados em rígidos códigos de conduta utilizados de diversas formas para o controle social e não para transformar qualitativamente as tendências mais desumanas encontradas na natureza dos homens.
Na noite de Natal, pensemos em qual conteúdo estaremos colocando nas formas apresentadas pela sociedade como um todo. A idéia principal aqui é compreendermos que o todo social é composto por indivíduos que possuem livre arbítrio sobre suas consciências e poder de compartilhar ou refutar com os valores materialistas dominantes. Cabe a cada um colocar, no lugar da ordem consumista, a ordem moral em primeiro plano, estabelecendo uma análise sobre suas relações sociais, partindo de critérios que se assemelhem muito mais aos critérios do Cristo do que aos critérios do mercado. Revolucionar também tem a ver com transformar sua própria individualidade, uma vez que a tomada de consciência sempre foi fator determinante para que as grandes idéias pudessem tomar corpo e ganhar o mundo.
Para os mais religiosos cabe dizer que, antes de convidar para a festa natalina o egoísmo, a maledicência, a ostentação e tantas outras paixões humanas, devemos ter como principal convidado de nossa ceia o Mestre querido e seu conjunto de ensinamentos e valores, tão ausentes em nossa sociedade. Façamos de nós mesmos o exemplo de conduta que queremos nos outros, não esperando que o todo se transforme para que mudemos a nós mesmos. Principalmente, não esperemos que as luzes do Natal se acendam uma vez por ano para que a Luz interior do Mestre se acenda em nós. Assim, as festas, a comilança e as alegorias das formas podem até persistir, mas a paz e a certeza de que estas coisas estão em segundo plano quando se busca a algo superior nos fará preencher com os conteúdos do Bem tudo aquilo que o mundo insistir em nos presentear sob os moldes do Natal materialista.
Um bom Natal a todos!