24.12.10

Natal: Forma e Conteúdo

Nas relações do mundo uma boa forma de aplicar o dualismo forma e conteúdo é afirmando que forma é tudo aquilo que diz respeito às materialidades da existência e conteúdo a tudo aquilo que preenche idealmente a estas materialidades.

O Natal é data riquíssima no que diz respeito a sentimentos despertados nas pessoas imersas nas diversas culturas espalhadas pelo mundo. E para este despertar de sentimentos não é necessário que o indivíduo esteja inserido em um país cristão ou que tenha predomínio do cristianismo – e isso revela uma das faces do Natal – pelo motivo exato de que, se o cristianismo não é predominante nas diversas culturas, o sistema econômico que se utiliza desta data como motivo de lucro, este sim é predominante.

A cara dos lugares muda com esta data, seja por meio das incríveis árvores de Natal encontradas nas grandes capitais mundiais ou por meio dos demais enfeites encontrados por todos os cantos (inclusive em nossa própria casa), a atmosfera é transformada pela mudança nos estímulos visuais encontrados no cotidiano. A forma aqui é uma representação alegórica do que representa o Natal sob determinado aspecto. Para compreendermos este aspecto seria necessário investigarmos a origem da criação de tais formas alegóricas na história, buscando compreender o que cada uma representa, mas tal investigação não cabe na finalidade do presente texto. O que buscamos, no momento, e a partir daqui, é nos concentrarmos no conteúdo.

Com o passar do tempo as inspirações que criaram as formas acima descritas foram se modificando. Os enfeites e árvores espalhados pelas cidades e residências perderam uma explicação histórica – por isso dizemos que seria necessário investigar suas origens para compreende-las -, existindo propriamente por força da tradição vazia de idéias. É justamente na perda desta afirmação histórica que a sociedade administrada abre caminho para que as forças econômicas atuem. As formas alegóricas do Natal, na atualidade, passaram a afirmar aos espíritos, que circulam entre suas luzes, que a ordem dos dias que seguem até o grande 25 de dezembro é o consumo. O conteúdo que preenche as alegorias natalinas é a idéia da posse e da maior realização do materialismo (no sentido oposto à espiritualidade) presente na personalidade humana.

Não importa qual a cor das luzes, o tamanho da árvore ou o tom do vermelho da roupa do Bom Velhinho. Como não existe uma consciência coletiva ambulante responsável pela adesão ao consumo, podemos dizer que a marca do sucesso do Natal consumista é a adesão da individualidade humana ao seu modelo capitalista. A forma aqui não tem a menor importância, a embalagem do presente é secundária quando o que está realmente brilhando na ordem das importâncias é o valor implícito culturalmente em cada lembrança natalina. Se na arte a articulação dos conteúdos da à forma importância máxima, nas relações fora do campo estético o conteúdo é determinante para que as formas adquiram tal ou tal sentido.

Mas em meio ao cenário encontrado atualmente, no qual as luzes de Natal representam cifras a brilharem no mercado de consumo, qual seria o conteúdo oposto ao que preenche as famigeradas formas natalinas? Antes de qualquer coisa é importante estabelecermos um juízo de valor para a relação entre forma e conteúdo do Natal capitalista. Devemos lembrar que, ao ter sua origem principal num aspecto religioso, a data referente possui, como principal conteúdo histórico, a força de aspectos morais trazidos a partir do momento em que ocorre a celebração do nascimento da maior expressão moral do ocidente, a saber, Jesus Cristo. Temos, neste momento, uma imensa contradição quando comparamos o conteúdo primário do Natal com o conteúdo atual. O Cristo representou um conjunto de valores morais e espirituais, valores estes que entram em choque quando dizemos, como acima, que o Natal capitalista vem para afirmar e realizar fortemente a natureza materialista impressa em cada indivíduo. Mais ainda, a contradição exposta vem para afirmar que a adesão ao modelo materialista aponta para o fato de que a tendência moral e espiritual ainda é colocada em segundo plano quando contrastada com tudo o que é perecível, refletindo exatamente o tipo de sociedade na qual vivemos.

Se a realização do modelo atual de Natal depende da aceitação dos valores – ou da ausência de valores – oferecidos aos indivíduos sociais, logo a mudança individual torna-se importante para que estes mesmos indivíduos passem a introduzir, nas formas apresentadas, seu próprio conteúdo. A perda do aspecto espiritual que originou o Natal nos lembra a parábola do semeador, na qual a idéia principal nos afirma que os valores morais não cultivados adequadamente perdem força e são esquecidos no transcorrer do tempo. Os valores colocados pelo Cristo foram, ao longo dos séculos, ou esquecidos ou transformados em rígidos códigos de conduta utilizados de diversas formas para o controle social e não para transformar qualitativamente as tendências mais desumanas encontradas na natureza dos homens.

Na noite de Natal, pensemos em qual conteúdo estaremos colocando nas formas apresentadas pela sociedade como um todo. A idéia principal aqui é compreendermos que o todo social é composto por indivíduos que possuem livre arbítrio sobre suas consciências e poder de compartilhar ou refutar com os valores materialistas dominantes. Cabe a cada um colocar, no lugar da ordem consumista, a ordem moral em primeiro plano, estabelecendo uma análise sobre suas relações sociais, partindo de critérios que se assemelhem muito mais aos critérios do Cristo do que aos critérios do mercado. Revolucionar também tem a ver com transformar sua própria individualidade, uma vez que a tomada de consciência sempre foi fator determinante para que as grandes idéias pudessem tomar corpo e ganhar o mundo.

Para os mais religiosos cabe dizer que, antes de convidar para a festa natalina o egoísmo, a maledicência, a ostentação e tantas outras paixões humanas, devemos ter como principal convidado de nossa ceia o Mestre querido e seu conjunto de ensinamentos e valores, tão ausentes em nossa sociedade. Façamos de nós mesmos o exemplo de conduta que queremos nos outros, não esperando que o todo se transforme para que mudemos a nós mesmos. Principalmente, não esperemos que as luzes do Natal se acendam uma vez por ano para que a Luz interior do Mestre se acenda em nós. Assim, as festas, a comilança e as alegorias das formas podem até persistir, mas a paz e a certeza de que estas coisas estão em segundo plano quando se busca a algo superior nos fará preencher com os conteúdos do Bem tudo aquilo que o mundo insistir em nos presentear sob os moldes do Natal materialista.

Um bom Natal a todos!

28.11.10

Questionemos...

Creio que seja interesse comum de grande parte brasileiros que a violência no Rio de Janeiro termine, que a guerra civil na qual a cidade se encontra, já há muito tempo, tenha seu final feliz. No entanto, não devemos nos apegar a ilusões criadas pelo poder público no intuito de atender a interesses econômicos amplamente apoiados pelo show da mídia.

Optar pelo mal é escolha dada aos homens; a violência sofrida é violência colhida; a sociedade, tal como se encontra, é efeito da atuação de cada indivíduo neste meio, seja nas macro ou micro relações. Porém, é importante destacar que alguns homens possuem maior  poder em relação a outros. Assim, a decisão de invadir um complexo de comunidades carentes no Rio de Janeiro, sob o plano de ação que visa exterminar o tráfico de drogas, apenas pode ser tomada por homens que possuam uma das maiores cargas de poder em nosso país. Sobre eles cairão todas as consequências de tal decisão.

O interesse em atrair investimentos privados para a realização da Copa do Mundo e, posteriormente, para as Olimpíadas pode ter sido principal combustível das últimas ações tomadas pelos governos estadual e federal no Rio de Janeiro. Sei que é preferível acreditar que o poder público tem boas intenções em relação a assunto tão delicado, mas, como foi dito acima, não devemos nos apegar a ilusões. Pensamentos descolados da realidade em nada nos ajudarão a promover a paz tão sonhada e em aliviar as consequencias colhidas por todos nós no emaranhado social.

É importante que busquemos resposta para algumas questões ao longo da cobertura midiática da suposta guerra contra o tráfico na baixada fluminense. É importante que se faça tais perguntas - e muitas outras – para que exercitemos a reação contra a tendência, implantada em todos nós, de que a mídia tudo informa e dispensa maiores questionamentos, estabelecendo uma relação perigosa entre informantes e informados: onde estariam os supostos traficantes encurralados pelas forças armadas no Complexo do Alemão? Por que tais ações foram tomadas somente neste momento? As operações se estenderão pelas demais comunidades do Rio de Janeiro? Por que não se discute sobre a entrada de armas e drogas no país, bem como os pontos de produção de drogas existentes no próprio país? Após a ocupação do Complexo do Alemão como se dará a ação do Estado para que o tráfico não retorne à região? Por que é tão difícil para a mídia expor o problema da distribuição de renda como causa material do problema da violência no Rio de Janeiro? Por que se optou em agir naquelas regiões e não em outras? Qual a relação destas regiões com a localização da vila olímpica a ser construída para os jogos de 2016 bem como com as vias de acesso aos jogos, tanto das Olimpíadas como da Copa do Mundo?

Não nos esqueçamos que o bem permanece em potência no coração dos homens, mas que ainda somos tomados por inclinações que nos levam a atitudes egoístas, que não partem do imperativo social da caridade. Assim como nós mesmos, os governantes podem ser influenciados por tais inclinações. Para identificarmos se tal ou tal atitude é alimentada por estas inclinações, não nos resta outro recurso senão apurar os fatos no contexto do tempo material. Desse modo, cabem muitas outras perguntas em vista dos últimos ocorridos no Rio de Janeiro. A proximidade dos jogos talvez não seja algo a ser desconsiderado uma vez que a situação da violência urbana, da guerra de milícias criminosas e do aumento considerável da influência do tráfico na sociedade não é problema atual e ainda não atingiu seu apogeu – creio – no atual momento. Não se trata aqui de julgar gratuitamente os que têm maior poder que nós no atual modelo democrático e econômico, mas de nos defendermos do mal para que possamos atuar em nossa própria sociedade. 

Observemos os próximos acontecimentos permitindo-nos o questionamento frente às informações dadas. Não nos esqueçamos de acreditar no bem e de buscá-lo sempre. Para tal, é importante que se identifique o mal com a finalidade de não aplaudir as trevas em detrimento da Luz.

23.11.10

Os Ninguéns

As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.

Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:

Que não são, embora sejam.

Que não falam idiomas, falam dialetos.

Que não praticam religiões, praticam supertições.

Que não fazem arte, fazem artesanato.

Que não são seres humanos, são recursos humanos.

Que não têm cultura, têm folclore.

Que não têm cara, têm braços.

Que não têm nome, têm número.

Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.

Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.



____________________Eduardo Galeano

2.11.10

Na Medida da Elevação

Aos poucos, a ação de realizar, em você mesmo, uma reforma moral passa a transformar sua vida. Isso implica na sua relação com o mundo - falo aqui tanto das pessoas quanto de tudo aquilo que cerca você e essas pessoas. Assim, a mudança moral, enquanto mudança profunda na conduta que diz respeito a esse campo do comportamento humano, demonstra, aos poucos, causar impactos significativos na própria existência.

A mudança moral carrega alguns perigos que podem surgir ao longo do caminho. Um deles surge no momento em que consideramos que adotar uma nova conduta parte do reconhecimento de que uma conduta anterior era inadequada. Assim, enxergar, nos outros, traços da antiga conduta pode nos levar ao julgamento desses ou ainda fazer com que surjam traços de vaidade em nós mesmos, perigos estes que podem nos desviar da reforma íntima aqui colocada.

É importante não permitir que a vaidade e o julgamento nos batam a porta nesse momento. A humildade e a oração são ferramentas indispensáveis para que tenhamos a compreensão de que, mais do que simples críticos gratuitos das limitações alheias tornamo-nos, na medida da elevação moral, cada vez mais aptos a servir a todos aqueles que ainda carecem de uma nova relação com o mundo em sua volta. A responsabilidade cresce na mesma medida da elevação.

Foquemo-nos apenas em nossas próprias limitações e recordemo-nos sempre de fazer aos outros apenas aquilo que gostaríamos que estes fizessem a nós mesmos.

29.10.10

Nada é por acaso...

"Porque foste em minh'alma
Como um amanhecer
Porque foste o que tinha de ser
".

___________________Tom Jobim

5.9.10

Trecho de Nosso Lar

Um trecho do livro Nosso Lar para homenagear o lançamento do filme inspirado na obra psicografada por Chico Xavier, ditada pelo espírito André Luiz:

"A vida não cessa. A vida é fonte eterna e a morte é jogo escuro das ilusões.

O grande rio tem seu trajeto, antes do mar imenso. Copiando-lhe a expressão, a alma percorre igualmente caminhos variados e etapas diversas, também recebe afluentes de conhecimentos, aqui e ali, avoluma-se em expressão e purifica-se em qualidade, antes de encontrar o Oceano Eterno da Sabedoria.

Cerrar os olhos carnais constitui operação demasiadamente simples.

Permutar a roupagem física não decide o problema fundamental da iluminação, como a troca de vestidos nada tem que ver com as soluções profundas do destino e do ser.

Oh! caminhos das almas, misteriosos caminhos do coração! É mister percorrer-vos, antes de tentar a suprema equação da Vida Eterna! É indispensável viver o vosso drama, conhecer-vos detalhe a detalhe, no longo processo do aperfeiçoamento espiritual!...

Seria extremamente infantil a crença de que o simples "baixar do pano" resolvesse transcendentes questões do Infinito.

Uma existência é um ato.
Um corpo - uma veste.
Um século - um dia.
Um serviço - uma experiência.
Um triunfo - uma aquisição.
Uma morte - um sopro renovador.

Quantas existências, quantos corpos, quantos séculos, quantos serviços, quantos triunfos, quantas mortes necessitamos ainda?

E o letrado em filosofia religiosa fala de deliberações finais e posições definitivas!

Ai! por toda parte, os cultos em doutrina e os analfabetos do espírito!

É preciso muito esforço do homem para ingressar na academia do Evangelho do Cristo, ingresso que se verifica, quase sempre, de estranha maneira - ele só, na companhia do Mestre, efetuando o curso difícil, recebendo lições sem cátedras visíveis e ouvindo vastas dissertações sem palavras articuladas.

Muito longa, portanto, nossa jornada laboriosa.

Nosso esforço pobre quer traduzir apenas uma idéia dessa verdade fundamental.

Grato, pois, meus amigos!

Manifestamo-nos, junto a vós outros, no anonimato que obedece à caridade fraternal. A existência humana apresenta grande maioria de vasos frágeis, que não podem conter ainda toda a verdade. Aliás, não nos interessaria, agora, senão a experiência profunda, com os seus valores coletivos. Não atormentaremos alguém com a idéia da eternidade. Que os vasos se fortaleçam, em primeiro lugar. Forneceremos, somente, algumas ligeiras notícias ao espírito sequioso dos nossos irmãos na senda de realização espiritual, e que compreendem conosco que "o espírito sopra onde quer".

E, agora, amigos, que meus agradecimentos se calem no papel, recolhendo-se ao grande silêncio da simpatia e da gratidão. Atração e reconhecimento, amor e júbilo moram na alma. Crede que guardarei semelhantes valores comigo, a vosso respeito, no santuário do coração.

Que o Senhor nos abençoe."

______André Luiz

28.8.10

Mas Deus...

Há muita gente que te ignora.
Entretanto, Deus te conhece.


Há quem te veja doente.
Deus, porém, te guarda a saúde.


Companheiros existem que te reprovam.
Mas Deus te abençoa.


Surge quem te apedreje.
Deus, no entanto, te abraça.


Há quem te enxergue caindo em tentação.
Deus, porém, sabe quanto resistes.


Aparece quem te abandona.
Entretanto, Deus te recolhe.


Há quem te prejudique.
Mas Deus te aumenta os recursos.


Surge quem te faça chorar.
Deus, porém, te consola.


Há quem te fira.
No entanto, Deus te restaura.


Há quem te considere no erro.
Mas Deus te vê de outro modo.


Seja qual for a dificuldade.
Faze o bem e entrega-te a Deus.


(Francisco Cândido Xavier, ditado por Emmanuel)

24.7.10

Compreender a Palavra nos conflitos

* 18 «Ouçam, portanto, o que a parábola do semeador quer dizer: 19 Todo aquele que ouve a Palavra do Reino e não a compreende, é como a semente que caiu à beira do caminho: vem o Maligno e rouba o que foi semeado no coração dele. 20 A semente que caiu em terreno pedregoso é aquele que ouve a Palavra, e logo a recebe com alegria. 21 Mas ele não tem raiz em si mesmo, é inconstante: quando chega uma tribulação ou perseguição por causa da Palavra, ele desiste logo. 22 A semente que caiu no meio dos espinhos é aquele que ouve a Palavra, mas a preocupação do mundo e a ilusão da riqueza sufocam a Palavra, e ela fica sem dar fruto. 23 A semente que caiu em terra boa é aquele que ouve a Palavra e a compreende. Esse com certeza produz fruto. Um dá cem, outro sessenta e outro trinta por um.»

* 18-23: Os obstáculos para compreender a Palavra do Reino (= ensinamento de Jesus) são: a alienação, que tira o poder de decisão humana; as perseguições concretas que causam desânimo; as estruturas políticas e econômicas que fascinam e seduzem. A compreensão da Palavra do Reino se realiza na dramaticidade dos conflitos pessoais e sociais.

Bíblia Sagrada - Edição Pastoral


FONTE: http://www.franciscanos.org.br/

18.7.10

“Ele agradeceu mais do que eu em toda minha vida!”


A frase título foi dita pelo Alexandre, meu companheiro de entregas no Grupo da Sopa, ao observar a forma como um morador de rua agradecia pelo alimento recebido numa das noites de quinta-feira, na região do Ipiranga, na cidade de São Paulo.

É comum que, uma vez imersos numa realidade construída por valores capitalistas, extremamente voltados para a valorização do ter em detrimento do ser, mesmo fundados numa visão religiosa de mundo, consideremos inferior a posição de um irmão que se encontra em situação de pobreza extrema.

A interpretação que a lei da semeadura pode receber, a partir de uma visão perfeitamente compreensível por ser presa em seu tempo, é a de que o ser humano em miséria material está colhendo a semeadura de outrora. Talvez o abuso da riqueza em outros tempos ou ainda a avareza excessiva tenha sido a causa do efeito sofrido no presente. Não há dúvidas de que a lei da semeadura pode muito bem sustentar essas possibilidades, bem como não é impossível que isso tenha ocorrido, de fato, considerando a visão de mundo aqui exposta. Mesmo que não se acredite nesta visão, baseando-me numa visão puramente materialista, o que eu veria a minha frente no lugar do homem agradecendo a Deus pela talvez única refeição do dia? Veria um ser oprimido, um fruto da injustiça de uma sociedade que priva materialmente alguns homens para que a abundância supérflua possa constituir a vida de outros. A diferença de classe social salta aos olhos nesta visão de mundo, o que não vem a ser nenhum absurdo, caso consideremos também que a realidade é composta pela matéria e pela relação que as pessoas estabelecem ao seu redor no mundo em que vivemos.

Alguns ainda podem simplesmente ter pena, outros podem ter raiva do mundo que permite que a pobreza exista, outros ainda podem achar que tudo é justo, pois nada acontece sem a permissão de Deus. Mas o que todas essas visões podem ter em comum é o fato de que a visão material ainda sobressalte em relação à visão moral de mundo. Não há evidência imediata que me faça acreditar que o irmão que se encontra em falência material esteja em degrau inferior ao meu. As penas do mundo nada evidenciam o fato de que determinado espírito esteja moralmente abaixo de mim. Não é a pobreza, a doença ou a condição intelectual que determinam a superioridade real na qual se encontram as pessoas. Independente de ser um injustiçado, um oprimido ou um pagador de faltas passadas, o irmão em situação de pobreza extrema carrega consigo a coragem de passar por privações que talvez nós mesmos não conseguiríamos suportar sem o sério risco de encerrarmos a existência com a destruição de nossa própria vida por nós mesmos.

E qual de nós aguentaria um só dia vivendo dessa forma? Quem seria capaz de manter-se solidário com aqueles à sua volta que se encontrassem, assim como você, em situação de pobreza extrema sem rebelar-se contra tudo e contra todos? Quem resistiria à tentação de entregar-se às malhas dolorosas do suicídio para não ter que continuar vivendo sob a pena das privações materiais? Qual de nós teria força e coragem de lutar contra o opressor caso faltassem as forças para levantar-se e mendigar por um prato de comida ou um cobertor?

É comum também, e ainda se considerando a justificação histórica, que tomemos a tudo e a todos como nossos objetos de apreciação racional. Em um mundo que preza pela razão tal e qual um grego que prezava pelos seus deuses reguladores, é compreensível que um morador de rua seja objeto que corrobore teorias sobre conspirações acerca do sistema econômico, pensamentos religiosos ou preencha o egoísmo “justificado” de muitos. Porém, ao tomarmos um ser humano como dado, temos que ter o cuidado de não nos tornarmos o próprio dado, uma vez que, imersos na racionalidade dominante, muitas vezes acabamos por adquirir a neutralidade das equações matemáticas. A partir desse momento torna-se perfeitamente válida a possibilidade de adotarmos monstros como homens de valor e santos como o lixo humano. Um exemplo? O fato de que muitos tomem o próprio Jesus Cristo como bode expiatório das injustiças que são hoje cometidas por mentes egoístas que controlam a sociedade desigual de nossos tempos. Caso utilizada como forma de alienação, de acordo com os críticos do Messias, a religião prega a resignação ao invés da resistência. A partir daí torna-se muito fácil a manipulação de mentes que nada querem a não ser seu lugar no reino dos céus. Ora, não nos limitemos ao pensamento daqueles que tentam nos dominar para que não nos tornemos objeto cego de nós mesmos. Ao olharmos o exemplo do Cristo pela utilização distorcida da religião, deixamos de olhar, mais uma vez, a história pelo viés moral e nos deixamos levar pela influência unilateral de nossos próprios defeitos (pois deixar a moral de lado, muitas vezes representa nossa própria necessidade de fechar os olhos frente a nossos defeitos mais repugnantes, aliás, aqueles mesmos defeitos que tanto gostamos de apontar nas pessoas a nossa volta). Logo, o que se deixa de observar é que, muito mais do que representar manipulação, o Cristo representa exemplo impecável da humanidade tão defendida pelos críticos das injustiças sociais.

A visão extremamente material de mundo, aliada à racionalidade que a tudo toma como objeto, pode ser, a partir do que foi aqui colocado, parte do que constitui o esquecimento do campo moral na análise da realidade. Voltando ao exemplo do morador de rua apresentado, o simples fato de um homem agradecer a Deus por uma refeição mais do que outro em toda sua vida pode representar, mais do que alienação, o exemplo vivo de humildade e força que talvez nenhum revolucionário apoiado em suas bandeiras ou que um religioso preso a seu templo possua em toda sua existência. A resignação, mais do que nos transformar em fracos, nos preenche de forças para que mantenhamos a integridade que, em toda historia da humanidade, encontramos em pouquíssimos homens, independente de seus belos discursos de luta de classes ou de salvação pela adoração no culto externo de divindades. Defender a humanidade significa, mais do que proferir discursos e levantar bandeiras, compreender o que em nós existe de mais humano e o que em nós necessita ser expurgado, a fim de que não deixemos de nos tornar homens para nos tornar objetos de nossas próprias criticas sem que nós mesmos consigamos enxergar tal fato.

Nota: a frase que deu nome ao texto foi lembrada por mim no último sábado, em acontecimento muito semelhante. Não pude evitar dizer as mesmas palavras, lembrando do querido companheiro das noites de quinta. Apenas viver e sentir prova tudo aquilo que pode ser dito.

11.7.10

A vida não cessa...

pois a morte é apenas passagem de um porto para outro... E o amor vence a tudo.
 
E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
Quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
Quando eu estiver fogo
Suavemente se encaixe

E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
E quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
E quando eu estiver bobo
Sutilmente disfarce
Mas quando eu estiver morto
Suplico que não me mate, não
Dentro de ti...

Mesmo que o mundo acabe, enfim
Dentro de tudo que cabe em ti

E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
E quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
E quando eu estiver bobo
Sutilmente disfarce
Mas quando eu estiver morto
Suplico que não me mate, não
Dentro de ti
...

Mesmo que o mundo acabe, enfim
Dentro de tudo que cabe em ti

____________Samuel Rosa/Nando Reis

"Alguns de nós gostamos de dizer: 'Sou assim mesmo, pronto!'. Analisemos a nossa firmeza, para que não nos transformemos em pedras".

________Emmanuel

28.6.10

Por quem torcer? Por que torcer?

Até que ponto o seu “amor” pelo Brasil permite uma risada? O ufanismo, em tempos de Copa, pode ser considerado perigoso? O sentimento do brasileiro em relação à pátria vem mudando nos últimos anos? 

No último dia 26, sábado, o recém estreado programa Legendários, da Rede Record de Televisão, dirigido pelo apresentador Marcos Mion exibiu uma matéria que pode alimentar as dúvidas acima expostas. Na matéria em questão, alguns membros do Legendários tinham uma missão no mínimo anti-diplomática. A tarefa dos apresentadores consistia em hastear, em pleno obelisco de Buenos Aires, uma flâmula brasileira, como uma conquista de território, nada mais apropriado para atrair audiência dos telespectadores em plena Copa do Mundo de Futebol. Com muita vigilância os destemidos Legendários conseguiram, ao final da matéria, cumprir a missão, elevando a flâmula brasileira na praça onde se encontra o símbolo nacional argentino e, ao mesmo tempo, também elevar a nossa arrogância (a qual acusamos de boca tão cheia os “hermanos”) disfarçada de malandragem verde-amarela. A piada final aponta para a tão conhecida rivalidade existente entre brasileiros e argentinos, casando-a com o humor agressivo em alta nos programas Pânico, da Rede TV, CQC, seu imitador um pouco mais politizado (mas não necessariamente melhor), da Rede Bandeirantes e Legendários, dos destemidos conquistadores do obelisco argentino. 

Mas qual a fonte de tanta raiva em relação aos argentinos? Quais os motivos para tanta rivalidade, que não se originou, mas apenas se reflete no futebol, principalmente em tempos de Copa do Mundo? Seria uma herança histórica decorrente dos conflitos bélicos? Mas será que o pior conflito que o Brasil já teve com uma nação não foi com o Uruguai? Não seria o próprio Uruguai nosso pior algoz em Copas do Mundo (muito mais que os argentinos)? De fato não temos um rancor histórico com o Uruguai como parecemos ter com os argentinos. Ao mesmo tempo não observamos, em nenhum outro país da América Latina, a raiva que encontramos nos argentinos em relação a nós mesmos. Qual a fonte da raiva? 

Não sou historiador, mas considero que, com certeza, há uma origem material para tanta rivalidade. Há uma origem material para tudo nesse mundo, bem sabemos, assim como há uma origem material para a ignorância e o equívoco. O ufanismo, por exemplo, teve origem na literatura de Afonso Celso e ganhou força na ditadura militar, reforçando as intenções políticas por traz da sua propaganda. Outra propaganda que teve sua origem histórica foi aquela, promovida por Adolf Hitler, que colocava o povo judeu como ratos para o povo alemão. Sim, os judeus tiveram impacto político e econômico na nação germânica assim como em toda história que permeou o Antigo Testamento bíblico. Os judeus podem mesmo ter sido como ratos na história, talvez ainda sejam, os argentinos podem mesmo serem dignos de raiva, bem como as sogras, bem como uma porção de coisas que acabam, não se sabe exatamente como, atingindo status de unanimidade na lista negra de determinadas culturas. Mas tudo com um motivo material que carrega outro, que carrega mais um e assim por diante, embora não seja unânime o conhecimento acerca de tais motivos. 

Já dizia Nelson Rodrigues que toda unanimidade é burra. Pode ser, embora a generalização seja discutível, mas, analisando os casos acima, é bem possível considerar a veracidade desta afirmativa. Talvez possamos dotar ao predicado “burra” a dose de irracionalidade que um sentimento de raiva canalizada pode conter em si. Explico: fomos selvagens até o momento (não exato, mas gradual) em que aprendemos a controlar nossa própria selvageria, até o momento em que dotamos o mundo da racionalidade que mudou ao longo da história, mudando também o mundo e o sujeito portador desta. A burrice pode ser considerada como falta de capacidade em exercer a razão, mas no caso da raiva canalizada, transformada em unanimidade, a burrice traz a marca do resquício irracional, da selvageria reprimida pela racionalidade que nos adestrou e consumiu o bom senso em relação à nossa própria selvageria. Hoje a repressão racional é movida pela própria selvageria reprimida. A raiva que temos, enquanto selvagens aprisionados, em relação à própria repressão deve ser canalizada socialmente para que não voltemos a nos esconder na caverna de outrora, para que não levemos à destruição nossa pátria de chuteiras, nossa amarela camisa pentacampeã. 

Mas o que isso tem a ver com a Argentina? O que isso tem a ver com futebol? O que o sujeito oprimido tem a ver com a rivalidade entre samba e tango? Mais uma vez explico: é na canalização da raiva disfarçada de racionalidade que encontramos os inimigos nacionais, que encontramos motivos para uma nação inteira levar seres humanos para câmaras de gás, que encontramos espaço para a propaganda ufanista que exalta nosso pedaço de terra por considerar, de modo inconsciente (irracional?), que existem nações inteiras que sofrem da mesma agressividade selvagem reprimida que nós sofremos, sendo necessário declarar este pedaço de terra como nosso porto seguro em relação à selva que muito nos lembra a selva de outros tempos. Canalizar a raiva, direcionando-a para um inimigo potencial é forma de extrapolarmos a raiva reprimida em relação a nós mesmos e em relação ao resto do mundo todo. É o preço por nos isolarmos da selva, criando nosso mundo administrado por uma ordem falsa e pretensiosa. Nossos inimigos? Os argentinos. Os inimigos deles? Nós mesmos. Dos alemães? O povo judeu. 

Brasil, segunda década do século XXI, o ano é 2010, um sentimento irradia dos reprimidos desta “tribo”; o crescimento econômico, proporcionando a farra consumista, a aprovação (quase unânime, perdoem pela maldade) de um presidente cujo perfil reforçou, em seu governo, e devido a sua própria biografia, uma identidade cultural apenas vista em tempos de ditadura (embora agora em tempos de “democracia”) são um dos elementos que compõem o pano de fundo da Copa do Mundo de Futebol. O esporte bretão, tão popular, fincado nas diversas culturas constituintes da constelação cultural brasileira, é a expressão do delírio do sentimento de ódio e medo entre as nações. Sim, jogamos com nossa civilidade por meio das práticas esportivas. Entre as quatro linhas temos regras que devem ser seguidas, assim como na política internacional, assim como na economia, embora nem sempre essas regras sejam seguidas a risca (como no gol de mão de Luis Fabiano, ou naquele outro de Tévez, totalmente impedido, ou ainda naquele da seleção inglesa contra a Alemanha que foi absurdamente anulado nas oitavas de final desta Copa, ou ainda nas práticas militares dos países imperialistas disfarçadas de missões de paz). Em tempos de Copa a repressão encontra novas forças, novas formas de expressão. A economia se aproveita bem disso, canaliza a raiva contra argentinos nos comerciais de cerveja, por exemplo, ou ainda nos programas de humor. Ora, o sentimento irradiado pelos integrantes do país que finalmente deixou de ser aquele do futuro e passou a ser este do presente encontra, na Copa do Mundo unida à selvageria reprimida, o rival de sempre: os argentinos! 

Finalmente voltamos à matéria deste último sábado apresentada no programa Legendários. Ora, a ofensa a um símbolo nacional, cujo caráter encontra expressões culturais, vai de encontro com a própria identidade que confere ao sujeito reprimido a segurança buscada por ele em relação ao resto do mundo. Logo, a ofensa ao símbolo nacional é a ofensa à própria integridade de um povo. Os nossos Legendários, ao executarem a missão de hastear a bandeira brasileira em território argentino, apenas demonstram que, em alguns brasileiros, o sentimento de raiva já começa a ganhar status de arrogância, de falta de respeito com aquilo que nós mesmos possuímos (símbolos culturais que conferem, em determinado território, a segura integridade a sujeitos reprimidos numa sociedade administrada por uma disfarçada irracionalidade). Mais do que uma brincadeira, o que podemos observar é que o Brasil começa a exibir, por meio de sua indústria cultural, uma pretensão nunca antes vista e, mais do que isso, uma arrogância que desconhece territórios. Até onde vai a tão falada passividade de um povo que possa aplaudir ou que produz uma matéria de humor que exerce, de modo agressivo, ataque a um símbolo cultural de outro povo? 

Reconheçamos que, na caminhada humana rumo a uma racionalidade que se integre ao mundo de fato, temos que encontrar lugar para o respeito e para o reconhecimento de um princípio básico, já exposto em diversos tempos, por diversas culturas, sejam elas orientais ou ocidentais: não fazer aos outros o que não se quer para si mesmo. Simples como um jogo de futebol, longe da complexidade que tenta encontrar justificativas para a raiva gratuita entre povos, entre nações. O que observamos no progresso material de nosso país, no crescimento desenfreado de uma nação que se entregou de vez ao jogo sujo do capital é que, de fato, nenhuma realização, seja ela material ou espiritual, de um povo, possui bases fortes se não apoiar-se numa evolução moral.  Não há outra forma de aliviar a repressão apoiada no ranger de dentes ao longo dos séculos. O selvagem apenas compreende sua posição social na medida em que se reconhece em meio aos demais seres a sua volta, na medida em que compreende seu papel entre estes. Aos poucos os instintos reprimidos deixam de encontrar lugar na raiva e passam a transformar-se pelo desenvolvimento da capacidade de exercer a moral. Não há mais a canalização da destruição reprimida, mas o exercício da fraternidade como base da integridade humana. 

Tenho meus palpites, como muitos brasileiros aprecio o futebol, torço pela seleção, mas, devo reconhecer que, após assistir a programas como Legendários, senti uma pontinha de vontade de torcer para os argentinos. Pensei que talvez isso fosse calar as risadas burras daqueles que apreciaram a brincadeira feita em Buenos Aires, mas, escrevendo estas linhas, devo retificar meu pensamento... A irracionalidade não precisa de motivos para exercer sua violência assim como o selvagem não pensa para agir: seja qual for o acontecimento, o inimigo é sempre o inimigo, e a vitória ou a derrota sobre ele representam o mesmo combustível que alimenta a uma sociedade reprimida e desconhecedora da caridade que derruba fronteiras de modo diferente do modo que se baseia na raiva recíproca, que não possui flâmulas ou camisas coloridas, que não comemora em detrimento da insatisfação de um inimigo derrotado. Não adianta torcer para que haja um vencedor, pois a vitória baseada na irracionalidade apenas reflete a supremacia da falta de amor entre os homens. As bases materiais continuam a existir, mas determinadas pela bancarrota moral na qual nos encontramos, brasileiros ou argentinos.

Pra quem não assistiu, eis o vídeo da matéria do, diga-se de passagem, fraquíssimo programa dirigido por Marcos Mion:
http://noticias.r7.com/legendarios/news/elcio-coronato-hasteia-bandeira-do-brasil-no-obelisco-de-buenos-aires-20100627.html

20.6.10

Que tal tentar?

Não compreenderemos o que significa amar ao próximo, de fato, enquanto não praticarmos a caridade em favor deste próximo, seja no auxílio material ou na própria convivência cotidiana, auxiliando e tolerando as diferenças e ofensas que venham a surgir nos mais variados setores da vida. Amar, mais do que procurar conceituar seu significado, por meio da limitada linguagem terrena, é exercitar aquilo que revelará em nós uma capacidade que ainda permacerá latente enquanto insistirmos no ócio e no egoísmo de nossas ações.

13.6.10

Quanta Luz!!!

Ontem, na Praça da Sé, em São Paulo, os Anjos da Noite encontravam-se em meio ao frio cortante do inverno de nossa capital. Estávamos fazendo o que sempre fazemos aos sábados a noite: distribuindo alimentos e cobertores aos moradores de rua.

Um fato que me tocou profundamente diz respeito a uma cena que presenciei. Assim que chegamos à Praça da Sé avistei um grupo de protestantes que fazia uma oração de um jeito bem característico. Em círculo pareciam pedir a Deus e a Jesus que enviassem bênçãos para todas aquelas pessoas que lá se encontravam em condição de rua. Observei que já haviam encerrado a assistência material, distribuindo alguns lanches e café com leite para aquecer aquelas pessoas.

Achei incrível que no meio daquela atmosfera fria e triste que tem a Praça da Sé, principalmente por abrigar, assim como grande parte do Centro de São Paulo, diversos moradores de rua e alguns marginais (vide os casos cotidianos de assaltos a transeuntes do local) o que senti foi, muito mais que algo ruim, uma coisa muito boa, como se aquele local houvesse se tornado um ponto de luz na escuridão da metrópole que nunca para, a metrópole que possui tantos indivíduos que, na pressa do dia-a-dia e no patamar moral em que nos encontramos, mal têm tempo de olharem para além de si mesmos.

Na pressa do momento, trabalhando para tentar atender a todos os necessitados de pão, agasalho e atenção que ali se encontravam, tive tempo de refletir sobre as diferentes interpretações acerca do evangelho do Cristo. Ora, o grupo Anjos da Noite, muito antes de representar qualquer religião (embora possua muitos adeptos espíritas), busca representar a solidariedade por meio do código moral ensinado por Jesus. Diferentemente do grupo de evangélicos ali presentes, temos outras formas de pedir bênçãos, em nome do Mestre querido, para os necessitados que nos surgem. Mas o que me chamou a atenção foi que, mesmo que se interprete ou louve os ensinamentos do Evangelho de forma diferente, seja com orações em alto volume, seja com as luzes apagadas e os olhos fechados, seja com hinos tradicionais, o que está na base daquilo que Jesus veio nos ensinar diz respeito, principalmente, ao amor ao próximo, diz respeito à caridade e solidariedade.

Ali, naquela praça, estávamos todos, em nome de nosso grande Mestre, praticando um pouco do amor que Ele nos ensinou e exerceu, estávamos aprendendo um pouquinho mais sobre o que significa servir ao próximo. Em nome do Mestre amado aquelas pessoas estavam recebendo um pouco daquilo que precisavam, a sua grande caridade foi nos ensinar para que pudéssemos aprender a servir os que viriam em nosso caminho sedentos de ajuda.

No Sermão da Montanha Ele já dizia que não veio para mudar as leis. O que Ele quis dizer com isso? Ora, o Mestre não veio para mudar regras morais que diziam respeito a ideais do bem e da justiça, mas veio para preenchê-las de amor, de uma compreensão mais ampla, que não se prende apenas a exercer o que foi determinado, mas a fazê-lo com sentimento, com a emoção que é combustível do homem no mundo. Sim, o homem busca emoções, mas cada um busca o tipo de emoção que lhe corresponde ao seu respectivo adiantamento moral.

Assim como o Mestre não veio para mudar as palavras escritas em forma de lei, não devemos querer mudar a religião que não corresponde ao nosso credo, não devemos criticar em forma de preconceito a fé alheia. O que devemos fazer, baseando-nos na atitude do Mestre em relação às leis estabelecidas, é procurar pregar que todo credo deve ter como preenchimento o amor ao próximo, independente da interpretação que façam sobre as Escrituras. Protestantes, católicos ou espíritas devem fazer como o Mestre em comum ensinou: não devemos mudar, mas preencher de amor a vida. O pão, o agasalho e o cobertor do evangélico é o mesmo do católico, que é o mesmo do espírita.

Por isso que, naquele momento, na Praça da Sé,  senti aquela sensação tão boa. O grande Mestre estava ali, nas nossas atitudes, nas nossas palavras, em nosso coração. Não mudamos nada no credo do outro, mas, agindo de maneira diferente, paradoxalmente, trabalhamos para o mesmo fim e enchemos aquele ambiente da mais celestial luz. Quantos credos... E quanta Luz!!!

23.5.10

Imperfeições


Em nossa vida nos deparamos, diariamente, com as imperfeições daqueles que surgem no caminho das lutas terrenas:

A impaciência dos imprudentes.

A ingratidão dos egoístas.

A maldade dos insensíveis.

A ignorância dos imaturos.

As reclamações dos individualistas.

Porém, é importante pensar no fato de que é comum nos depararmos com estas imperfeições não apenas nas pessoas que nos circundam, mas em nosso próprio íntimo, sendo essa a evidência de que, em nosso cotidiano, a caridade é bandeira de reconhecimento, nas outras pessoas, das mesmas paixões que nos infestam e nos torna carentes da misericórdia que, muitas vezes, negamos a estes semelhantes, tornando o mundo reserva da discórdia e da incompreensão.

Programa A Liga - Moradores de Rua

O cotidiano das "pessoas invisíveis" contado pelas câmeras do programa da Rede Bandeirantes de TV:



19.5.10

O Beco

A apatia do sujeito semicultivado em face à barbárie cotidiana contemplada na letra dos Paralamas do Sucesso:

No beco escuro explode a violência
Eu tava preparado
Descobri mil maneiras de dizer o seu nome
Com amor, ódio, urgência
Ou como se não fosse nada
No beco escuro explode a violência
Eu tava acordado
Ruínas de igrejas, seitas sem nome
Paixão, insônia, doença
Liberdade vigiada
No beco escuro explode a violência
No meio da madrugada
Com amor, ódio, urgência
Ou como se não fosse nada
Mas nada perturba o meu sono pesado
Nada levanta aquele corpo jogado
Nada atrapalha aquele bar ali na esquina
Aquela fila de cinema
Nada mais me deixa chocado
Nada!

____________Herbert Vianna / Bi Ribeiro

9.5.10

Esperar

"Esperar é uma dimensão interior do homem. Não tem nada a ver com predição. É totalmente deferente de otimismo. A esperança é, antes, a capacidade de comprometer-se com algo, não porque tenho êxito garantido, mas porque vale a pena, porque tem sentido... Quanto mais desfavorável for a situação, tanto mais profundo deve ser a esperança.
Pode ser uma virtude teologal, a esperança quer nos tirar do comodismo e criar, dentro de nós, uma disposição nova. Por ela, a pessoa deve perfazer seu caminho pleno de humanização até atingir a plenitude no divino. A esperança, na verdade, é um espírito instigante que nos faz caminhar, viver, sonhar e... transcender!" (Frei Paulo Sérgio de Souza)

3.5.10

Na Semeadura

Não esperes pela solidão para que tenhas que combater o egoísmo em ti.
Não aguardes a doença para que aprendas a cuidar de teu corpo físico.
Não necessites chorar com a traição para que aprendas a perdoar as faltas mais simples de teus semelhantes.
Não busques colher a humilhação para que tenhas que aprender sobre a humildade.
Não ajas sob a raiva para que não tenhas que suportar o inferno íntimo do arrependimento.
Não sustentes o ciúme para que não sofras com as separações, a fim de reparar tua possessão descabida.
Não te acomodes na preguiça para que não sofras, mais adiante, com a enfermidade mobilizante.

Na semeadura da vida, todos temos a liberdade de cultivarmos aquilo que nos aprouver, porém é lição valiosa a compreensão de que o tempo sempre nos traz, em forma de lição, a colheita redentora de nossos erros. Injustiça é palavra inexistente no arranjo natural da vida, portanto não esperes que a dor te sirva de professora por mais tempo: trabalha tua conduta, fazendo o possível para contribuir para a felicidade do teu semelhante, edificando tua vida futura sobre as fortes bases do amor.

23.4.10

Nas Provas da Senda

A natureza, por livro divino da Sabedoria Celeste, ensina, em toda parte, que a persistência é o sinal luminoso da evolução.
O Sol não se faz menos brilhante quando ilumina o vasto espelho do deserto sem água.
A flor não esconde o perfume que lhe é próprio, porque surjam emanações pestilentas do charco que foi situada.
A fonte não cessa de correr porque o leito em que se movimenta se constitua de pedras.
A árvore não recolhe os seus galhos porque os vermes considerados venenosos lhe venham sugar os frutos.
As estrelas fulguram no seio imenso da noite.
A catarata é a força divina da Terra a despenhar-se no abismo.
O pântano drenado é chão proveitoso.
Só o homem dá curso ao desânimo e à desconfiança, ante os reservatórios inesgotáveis da paciência e da bondade divina do Senhor. Só o homem duvida, dilacera-se, dorme e recua, perdendo, por vezes, benditas oportunidades de elevação para os cimos deslumbrantes da vida.
E, na indisciplina e na intemperança, no desespero e na negação a que se entrega, comumente procura fugir ao quadro de obrigações que lhe cabem, mas, ainda que se projete aos confins do Universo, não encontrará senão a si mesmo, com as suas realidades conscienciais, com o impositivo de tudo recapitular e tudo recomeçar, para reaprender e refazer.
Assim, pois, em nossas lutas naturais do caminho regenerativo e santificante, aceitemos o cálice de nossas provações, seja qual for, sorvendo-lhe corajosamente o conteúdo lembrando que nada vale para nós a fuga dos deveres fundamentais que nos competem, porque, em nos afastando dos aguilhões salvadores dentro da vida, estamos simplesmente recusando em vão o programa sagrado de Deus.

(Pelo espírito Emmanuel em Marcas Do Caminho, de Francisco Cândido Xavier, ditado por espíritos diversos)

18.4.10

Guardemos o Cuidado

"...mas nada é puro para os contaminados e infiéis" (TITO, 1: 15).

O homem enxerga sempre, através da visão interior.
Com as cores que usa por dentro, julga os aspectos de fora.
Pelo que sente, examina os sentimentos alheios.
Na conduta dos outros, supõe encontrar os meios e fins das ações que lhe são peculiares.
Dai, o imperativo de grande vigilância para que a nossa consciência
não se contamine pelo mal.
Quando a sombra vagueia em nossa mente, não vislumbramos senão
sombras em toda parte.
Junto das manifestações do amor mais puro, imaginamos alucinações
carnais.
Se encontramos um companheiro trajado com louvável apuro, pensamos em vaidade.
Ante o amigo chamado à carreira pública, mentalizamos a tirania política.
Se o vizinho sabe economizar com perfeito aproveitamento da oportunidade, fixamo-lo com desconfiança e costumamos tecer longas reflexões em torno de apropriações indébitas.
Quando ouvimos um amigo na defesa justa, usando a energia que lhe compete, relegamo-lo, de imediato, à categoria dos intratáveis.
Quando a treva se estende, na intimidade de nossa vida, deploráveis alterações nos atingem os pensamentos.
Virtudes, nessas circunstâncias, jamais são vistas.
Os males, contudo, sobram sempre.
Os mais largos gestos de bênção recebem lastimáveis interpretações.
Guardemos cuidado toda vez que formos visitados pela inveja, pelo ciúme, pela suspeita ou pela maledicência.
Casos intrincados existem nos quais o silêncio é o remédio bendito e eficaz, porque, sem dúvida, cada espírito observa o caminho ou o caminheiro, segundo a visão clara ou escura de que dispõe.

(Francisco Cândido Xavier, ditado por Emmanuel. Fonte Viva. Rio de Janeiro, RJ: Federação Espírita Brasileira, 1956).

16.4.10

Se Eu Fosse Eu


Quando não sei onde guardei um papel importante e a procura se revela inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase "se eu fosse eu", que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar. Diria melhor, sentir.
E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser levemente locomovida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas, e mudavam inteiramente de vida. Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.
Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho, por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo o que é meu, e confiaria o futuro ao futuro.
"Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido. No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor, aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais (De Clarice Lispector, extraído do livro A Descoberta do Mundo. Rio de Janeiro, RJ: Rocco, 2008).

Aos melancólicos...

existencialistas ou não:


Sabeis por que uma vaga tristeza se apodera por vezes de vossos corações e vos faz achar a vida tão amarga? É o vosso Espírito que aspira à felicidade e à liberdade e que, preso ao corpo que lhe serve de prisão, esgota-se em vãos esforços para dele sair. Mas, vendo que são inúteis, cai no desencorajamento, e o corpo, suportando sua influência, a languidez, o abatimento e uma espécie de apatia se apodera de vós, e vos achais infelizes.
Crede-me! Resisti com energia a essas impressões que enfraquecem em vós a vontade. Essas aspirações para uma vida melhor são inatas do Espírito de todos os homens, mas não a procureis neste mundo; e no presente, quando Deus vos envia seus Espíritos para vos instruírem sobre a felicidade que vos reserva, esperai pacientemente o anjo da libertação que deve vos ajudar a romper os laços que mantêm vosso Espírito cativo. Pensai que tendes a cumprir, durante vossa prova sobre a Terra, uma missão de que não suspeitais, seja em vos devotando à vossa família, seja cumprindo os diversos deveres que Deus vos confiou. E se no curso dessa prova, e desempenhando vossa tarefa, vedes os cuidados, as inquietações, os desgostos se precipitarem sobre vós, sede fortes e corajosos para os suportar. Afrontai-os francamente, eles são de curta duração e devem vos conduzir para  perto dos amigos que chorais, que se regozijarão com a vossa chegada entre eles, e vos estenderão os braços para vos conduzir a um lugar onde os desgostos da Terra não têm acesso (Pelo espírito François de Genève em O Evangelho Segundo o Espiritismo, p.74. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 2007).

14.4.10

Solidão

"O presidente, porém, disse: - mas, que mal fez ele? E eles mais clamavam, dizendo: seja crucificado" (MATEUS, 27:23).

À medida que te elevas, monte acima, no desempenho do próprio dever, experimentas a solidão dos cimos e incomensurável tristeza te constringe a alma sensível.
Onde se encontram os que sorriram contigo no parque primaveril da primeira mocidade? Onde pousam os corações que te buscavam o aconchego nas horas de fantasia? Onde se acolhem quantos te partilhavam o pão e o sonho, nas aventuras ri dentes do início?
Certo, ficaram...
Ficaram no vale, voejando em círculo estreito, à maneira das borboletas douradas, que se esfacelam ao primeiro contacto da menor chama de luz que se lhes descortine à frente.
Em torno de ti, a claridade.. mas também o silêncio...
Dentro de ti, a felicidade de saber, mas igualmente a dor de não seres compreendido...
Tua voz grita sem eco e o teu anseio se alonga em vão.
Entretanto, se realmente sobes, que ouvidos te poderiam escutar a grande distância e que coração faminto de calor do vale se abalançaria a entender, de pronto, os teus ideais de altura?
Choras, indagas e sofres...
Contudo, que espécie de renascimento não será doloroso?
A ave, para libertar-se, destrói o berço da casca em que se formou, e a semente, para produzir, sofre a dilaceração na cova desconhecida.
A solidão com o serviço aos semelhantes gera a grandeza.
A rocha que sustenta a planície costuma viver isolada e o Sol que alimenta o mundo inteiro brilha sozinho.
Não te canses de aprender a ciência da elevação.
Lembra-te do Senhor, que escalou o Calvário, de cruz aos ombros feridos. Ninguém o seguiu na morte afrontosa, à exceção de dois malfeitores, constrangidos à punição, em obediência à justiça.
Recorda-te dele e segue...
Não relaciones os bens que já espalhaste.
Confia no Infinito Bem que te aguarda.
Não esperes pelos outros, na marcha de sacrifício e engrandecimento. E não olvides que, pelo ministério da redenção que exerceu para todas as criaturas, o Divino Amigo dos Homens não somente viveu, lutou e sofreu sozinho, mas também foi perseguido e crucificado.

(Francisco Cândido Xavier, ditado por Emmanuel. Fonte Viva. Rio de Janeiro, RJ: Federação Espírita Brasileira, 1956).

***

Quando se fala em cristianismo muitos pensam em senso comum. O que não se observa, muitas vezes, é que a prática do evangelho, a busca pela reforma íntima proposta nos ensinamentos do Cristo é muito pouco ou nada praticada em nossos dias. A evolução da raça, de acordo com a doutrina espírita, existe e trouxe a humanidade até onde está. A razão humana conquistou prodígios infindáveis na caminhada humana, mas quando se fala em evolução moral, muito do que se conquistou em termos racionais transforma-se em lama que nos impede de caminharmos mais adiante em nosso caminho evolutivo. Nesse campo o atraso ainda é imenso e encontra-se em relação desigual com o intelecto.

A prática dos ensinamentos morais do Cristo ainda nos parece coisa avessa ao cotidiano. Muito se fala sobre eles, adotamos, em grande parte do tempo, os critérios destes ensinamentos para julgar nossos semelhantes, mas nem de longe temos o impulso de tentar praticá-los. Um grande exemplo deste distanciamento entre a moral cristã e a vida está no fato de que personalidades que deram grandes exemplos de renúncia pessoal em prol das causas humanitárias ainda são vistos como exceções à regra geral, são como prodígios que devem sempre ser mencionados, mas que trazem, perante os olhos do senso comum, suas condutas como algo praticamente inimitável.

O próprio exemplo do Cristo é isolado e tratado como fonte de salvação pela adoração, mas quase nunca como fonte de conduta nos mais variados momentos da vida. É nesse esquecimento, nessa falta de interesse que ainda prevalece em nosso mundo de expiações que aqueles que procuram realizar sua reforma íntima, seja seguindo os ensinamentos do Cristo, seja adotando qualquer outra conduta moral baseada em princípios religiosos, encontram a caminhada solitária, quase nunca compreendida pela massa que anda sem rumo pelos caminhos da materialidade.

A todos aqueles que caminham solitariamente encontrando em poucos momentos companhia fraterna na elevação das ações, que a mensagem de Emmanuel surge como injeção de ânimo, baseada no exemplo máximo do Cristo. É no exemplo do Mestre que encontramos o tripé que traz os imperativos que os sustentam: trabalha, espera, confia!

11.4.10

Saída Moral Para a Ciência, Saída Racional Para a Fé.

A ciência procura explicar, a partir de postulados e axiomas, traduzidos em idioma matemático, toda natureza que compõe a existência, afastando-se da fé. A religião, por sua vez, afasta-se da ciência, ignorando que a ciência do homem deve caminhar junto com suas verdades divinas. A união entre ciência e fé faz parte da nova etapa da caminhada humana, etapa essa que encontrará na filosofia o arcabouço que irá ancorar o fim da separação positivista entre essas três formas de conhecimento em nome de um conhecimento universal. E qual a melhor forma de definir a busca pelas verdades científicas ou Deus como a busca pela universalidade? Cabe aos filósofos compreenderem a nova ordem das coisas.

A música da cantora evangélica Mariana Valadão, a princípio, é vista como mais uma daquelas com letra de louvor, própria das músicas de tema religioso. Agora, olhando sobre a ótica científica e buscando compreender que, desde a religião primitiva até o monoteísmo mais tardio, podemos dizer que a cosmologia do universo converge com o que se pode chamar de leis físicas ou de Deus. É a fé e a razão ou fé raciocinada batendo às portas. Atualmente os cientistas prostram-se frente suas teorias assim como os religiosos frente a Deus. A razão, limitada até então, irá unir-se ao que há de mais sagrado, mas ainda assim reconhecendo a validade de tudo aquilo que é lógico. É o fim da tensão entre homem e mundo...

Dos mais altos montes ao mais fundo mar
A criação revela Tua glória
Há perfumes e cores em todo lugar
Cada ser entoando uma música
Te adorando

Impossível descrever
Tu chamas cada estrela do céu pelo nome
Tu és tremendo Deus
Impossível compreender
Maravilhados prostramo-nos diante de Ti
Tu és tremendo Deus

Que comanda os relâmpagos e os trovões
E dá ordens a chuvas sobre as nações
Quem criou Lua e Sol e a fonte da luz
Fez os dias e as noites e a tudo conduz
Incomparável

Impossível descrever
Tu chamas cada estrela do céu pelo nome
Tu és tremendo Deus
Impossível compreender
Maravilhados prostramo-nos diante de Ti
Tu és tremendo Deus

Tu és tremendo Deus
Tu és tremendo Deus

Impossível descrever
Tu chamas cada estrela do céu pelo nome
Tu és tremendo Deus
Impossível compreender
Maravilhados prostramo-nos diante de Ti
Tu és tremendo Deus

Conseguiu ler diferente? Trata-se de uma música de tema religioso, que trás em si a proposta de adoração ao Deus que, segundo sua letra, é responsável pelos eventos naturais. Ora, a mesma devoção por Deus é a própria devoção à natureza. Agora, imaginemos que a mesma ciência que procura manipular o mundo, de forma indiscriminada, resolva adotar o princípio de adoração e investigar o mundo baseado na fé. É de esperar que a fé carregue consigo os códigos morais encontrados em qualquer religião. Assim, a mesma ética que o homem adota ao escolher seguir o caminho da fé, de acordo com o código referente à sua religião, seria a ética que a ciência, unida à fé, adotaria em relação ao mundo. Temos aqui o fim da razão instrumental, da exploração e manipulação dos recursos naturais do nosso planeta sem levar em consideração o caráter sagrado que nos guarda a própria natureza. 

Ao mesmo tempo, a fé cega, transformada em dogma irracional ou em fanatismo, não reconhece, no próprio homem, a capacidade de evoluir em ciência. A fé raciocinada é aquela que, unindo fé e ciência, trata de trazer para outros campos do conhecimento a presença de Deus, aumentando sua força e corroborando, cada vez mais, suas verdades divinas. Na verdade, a própria divindade aqui passa a se "suavizar", pois passa a ser algo absolutamente natural, e o homem, membro da natureza criada por Deus, passa a fazer parte de uma forma muito mais presente desta criação, tanto em fé (tudo aquilo que a ciência ainda não pode explicar) como em razão (a faculdade que pode nos aproximar de Deus, a exemplo da fé).