14.4.10

Solidão

"O presidente, porém, disse: - mas, que mal fez ele? E eles mais clamavam, dizendo: seja crucificado" (MATEUS, 27:23).

À medida que te elevas, monte acima, no desempenho do próprio dever, experimentas a solidão dos cimos e incomensurável tristeza te constringe a alma sensível.
Onde se encontram os que sorriram contigo no parque primaveril da primeira mocidade? Onde pousam os corações que te buscavam o aconchego nas horas de fantasia? Onde se acolhem quantos te partilhavam o pão e o sonho, nas aventuras ri dentes do início?
Certo, ficaram...
Ficaram no vale, voejando em círculo estreito, à maneira das borboletas douradas, que se esfacelam ao primeiro contacto da menor chama de luz que se lhes descortine à frente.
Em torno de ti, a claridade.. mas também o silêncio...
Dentro de ti, a felicidade de saber, mas igualmente a dor de não seres compreendido...
Tua voz grita sem eco e o teu anseio se alonga em vão.
Entretanto, se realmente sobes, que ouvidos te poderiam escutar a grande distância e que coração faminto de calor do vale se abalançaria a entender, de pronto, os teus ideais de altura?
Choras, indagas e sofres...
Contudo, que espécie de renascimento não será doloroso?
A ave, para libertar-se, destrói o berço da casca em que se formou, e a semente, para produzir, sofre a dilaceração na cova desconhecida.
A solidão com o serviço aos semelhantes gera a grandeza.
A rocha que sustenta a planície costuma viver isolada e o Sol que alimenta o mundo inteiro brilha sozinho.
Não te canses de aprender a ciência da elevação.
Lembra-te do Senhor, que escalou o Calvário, de cruz aos ombros feridos. Ninguém o seguiu na morte afrontosa, à exceção de dois malfeitores, constrangidos à punição, em obediência à justiça.
Recorda-te dele e segue...
Não relaciones os bens que já espalhaste.
Confia no Infinito Bem que te aguarda.
Não esperes pelos outros, na marcha de sacrifício e engrandecimento. E não olvides que, pelo ministério da redenção que exerceu para todas as criaturas, o Divino Amigo dos Homens não somente viveu, lutou e sofreu sozinho, mas também foi perseguido e crucificado.

(Francisco Cândido Xavier, ditado por Emmanuel. Fonte Viva. Rio de Janeiro, RJ: Federação Espírita Brasileira, 1956).

***

Quando se fala em cristianismo muitos pensam em senso comum. O que não se observa, muitas vezes, é que a prática do evangelho, a busca pela reforma íntima proposta nos ensinamentos do Cristo é muito pouco ou nada praticada em nossos dias. A evolução da raça, de acordo com a doutrina espírita, existe e trouxe a humanidade até onde está. A razão humana conquistou prodígios infindáveis na caminhada humana, mas quando se fala em evolução moral, muito do que se conquistou em termos racionais transforma-se em lama que nos impede de caminharmos mais adiante em nosso caminho evolutivo. Nesse campo o atraso ainda é imenso e encontra-se em relação desigual com o intelecto.

A prática dos ensinamentos morais do Cristo ainda nos parece coisa avessa ao cotidiano. Muito se fala sobre eles, adotamos, em grande parte do tempo, os critérios destes ensinamentos para julgar nossos semelhantes, mas nem de longe temos o impulso de tentar praticá-los. Um grande exemplo deste distanciamento entre a moral cristã e a vida está no fato de que personalidades que deram grandes exemplos de renúncia pessoal em prol das causas humanitárias ainda são vistos como exceções à regra geral, são como prodígios que devem sempre ser mencionados, mas que trazem, perante os olhos do senso comum, suas condutas como algo praticamente inimitável.

O próprio exemplo do Cristo é isolado e tratado como fonte de salvação pela adoração, mas quase nunca como fonte de conduta nos mais variados momentos da vida. É nesse esquecimento, nessa falta de interesse que ainda prevalece em nosso mundo de expiações que aqueles que procuram realizar sua reforma íntima, seja seguindo os ensinamentos do Cristo, seja adotando qualquer outra conduta moral baseada em princípios religiosos, encontram a caminhada solitária, quase nunca compreendida pela massa que anda sem rumo pelos caminhos da materialidade.

A todos aqueles que caminham solitariamente encontrando em poucos momentos companhia fraterna na elevação das ações, que a mensagem de Emmanuel surge como injeção de ânimo, baseada no exemplo máximo do Cristo. É no exemplo do Mestre que encontramos o tripé que traz os imperativos que os sustentam: trabalha, espera, confia!

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