30.3.10

Repeat, Please!


O ano era 1997, se não me engano... A banda era do nordeste, não lembro qual estado. O clipe passava nas tardes da MTV e eu sempre parava pra cantar junto. A música que tocava era a cara dos anos 90 e a letra era carregada de uma felicidade entediada e inocente. Mais  adolescente, impossível! Saudades...



"Têm dias que a vida parece Coca-Cola sem gás.
Às vezes, deitado em nuvens, lado cinza.
Não preciso de sabão em pó,
nem de detergente líquido,
roupas velhas em dia de sol,
calças rasgadas sorrindo.
Às vezes é assim.
Às vezes é assim.
Repeat, please!"

Crê e Segue

Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo” (João, 17:18).


Se abraçaste, meu amigo, a tarefa espiritista-cristã, em nome da fé sublimada, sedento de vida superior, recorda que o Mestre te enviou o coração renovado ao vasto campo do mundo para servi-lo.
Não só ensinarás o bom caminho. Agirás de acordo com os princípios elevados que apregoas.
Ditarás diretrizes nobres para os outros, contudo, marcharás dentro delas, por tua vez.
Proclamarás a necessidade de bom ânimo, mas seguindo, estrada afora, semeando alegrias e bênçãos, ainda mesmo quando incompreendido de todos.
Não te contentarás em distribuir moedas e benefícios imediatos. Darás sempre algo de ti mesmo ao que necessita.
Não somente perdoarás. Compreenderás o ofensor, auxiliando-o a reerguer-se.
Não criticarás. Encontrarás recursos inesperados de ser útil.
Não deblaterarás. Valer-te-ás do tempo para materializar os bons pensamentos que te dirigem.
Não disputarás inutilmente. Encontrarás o caminho do serviço aos semelhantes em qualquer parte.
Não viverás simplesmente no combate palavroso contra o mal. Reterás o bem, semeando-o com todos.
Não condenarás. Descobrirás a luz do amor para fazê-la brilhar em teu coração, até o sacrifício.
Ora e vigia.
Ama e espera.
Serve e renuncia.
Se não te dispões a aproveitar a lição do Mestre Divino, afei-çoando a própria vida aos seus ensinamentos, a tua fé terá sido vã.

Emmanuel

***

Planeta Escola ao qual fomos enviados, local sagrado de aprendizado, breve morada que anuncia, a cada dia, nosso retorno à pátria espiritual. Aqui, dia após dia, devemos tomar consciência de que nossas aspirações nem sempre estão de acordo com o projeto encarnatório que aguarda seu cumprimento nas leis naturais que regem a natureza física, biológica e espiritual. Aquele que serve a lei extrai de seus olhos, um pouco mais, o véu da matéria que alimenta perigosamente nossas paixões tão nocivas para as nossas relações com o mundo e com nós mesmos.

Planeta Escola, local onde a felicidade ideal, ligada aos nossos sonhos mais íntimos, não encontra morada. O momento é de aprendizado, como o momento da avaliação escolar no qual estamos, por alguns momentos, presos à prova, longe de nosso lar, nos empenhando para tirarmos a melhor nota e podermos, por fim, colher os frutos da dedicação ou do descaso e da indisciplina. 

A felicidade ideal buscada neste mundo de aprendizado é uma pálida idéia do que nos aguarda após os testes terrenos! Cabe a nós retornarmos ao lar com as boas notícias da aprovação ou com a necessidade de recuperarmos o aprendizado perdido...

28.3.10

O Poder e a Caridade


Há quem diga que a caridade proporciona segurança a todos aqueles que se beneficiam das desigualdades sociais. Há quem diga que a crença na multiplicidade das existências legitima a existência destas mesmas desigualdades. Mas não poderíamos pensar que, na verdade, é a existência das desigualdades que legitima a necessidade da multiplicidade das existências?

A deficiência moral em que se encontra a humanidade é máquina geradora de toda desigualdade e injustiça encontradas em nosso orbe terrestre. E qual seria o combustível que alimenta a ação dos inescrupulosos senão o seu próprio egoísmo, avareza e falta de amor? E seria esse sentimento mesquinho exclusividade apenas destes homens em suas posições sociais materialmente superiores ou seria também encontrada entre aqueles que padecem de dificuldades ligadas ao dinheiro?

Ora, a deficiência moral é doença que não reconhece a posse ou a falta da riqueza material. As paixões nocivas ao indivíduo, que exteriorizam-se no seu trato aos semelhantes, são comuns a todos os homens e não exclusividade dos poderosos. Para compreender tal afirmativa não é preciso ir muito longe, mas parar por apenas um minuto e olhar para dentro de si mesmo. Quantos são os pensamentos mesquinhos que acolhemos em nossa mente? Quantas as atitudes que, em muitos momentos, revelaram-nos como seres totalmente estranhos ao ideal de sociedade que sonhamos? Quando paramos, por um instante, para pensar no quanto nos assemelhamos, em pensamentos e atitudes, a todos aqueles que nos colocamos a criticar tão severamente, começamos a compreender que, para construir uma nova sociedade, não bastaria retirar do poder estes indivíduos, pois isso não significaria que estes seriam substituídos por outros de moral mais elevada ou atitudes mais nobres.

Se a base de uma sociedade justa é a compreensão do que significa, na prática, o bem e a justiça, ao mesmo tempo é justo afirmar que esta compreensão passa pela consciência de que o mal feito ao semelhante também é o mal feito a nós mesmos. Isto vem a significar que  a mesma ignorância desta afirmação é comum aos homens de poder e também aqueles que são anônimos para as grandes massas. Caso os críticos dos poderosos compreendessem que o mal que fazem, em pensamento ou atitude, a todos aqueles que despertam neles antipatia ou raiva, tem a mesma raiz que o mal promovido pelos governantes inescrupulosos, tratariam logo de procurar sua reforma pessoal antes de desejarem tomar o controle da própria sociedade, ocupando o lugar dos homens atualmente no poder.

Cabe a nós, individualmente, encontrarmo-nos na tarefa diária da prática do bem e da justiça, transformando-nos moralmente para podermos ser dignos de criticar nossos semelhantes que encontram-se na mesma bancarrota moral que nós mesmos. Nesse momento, perceber o quanto esta reforma é tão difícil, por meio de sua prática, é o início da compreensão lógica e mais ampla da necessidade da pluralidade das existências para cumprimento de tão árduo dever. Ao mesmo tempo, aceitar esta lógica nos dá passividade e benevolência para que possamos aceitar, com sabedoria, o atraso moral de todos aqueles que ainda não iniciaram sua reforma pessoal em busca do bem e da justiça que um dia prevalecerão numa sociedade que tenha em seus membros a verdadeira prática de seus princípios. Tal passividade não significa aceitar o que é errado ou aquilo que se apresenta como antítese do bem e da justiça, mas, ao contrário, nos aponta o norte correto para agirmos em relação as maldades e injustiças do mundo. É assim que a caridade sai do juízo de inútil para aqueles que desejam mudar a sociedade com base no derramamento de sangue e lágrimas, passando a ocupar o posto de único caminho racional (no sentido legítimo da palavra) e viável para a construção de um mundo livre dos sofrimentos oriundos do egoísmo humano.

"A caridade é virtude fundamental que deve sustentar todo o edifício das virtudes terrenas. Sem ela, as outras não existem. Sem a caridade não existe esperança num futuro melhor, não existe interesse moral que nos guie" (O Evangelho Segundo o Espiritismo, p. 155, São Paulo: PETIT, 1997).

18.3.10

Socorre-me de Mim



Oh, Deus,
cura-me de mim,
salva-me de mim mesmo
e das loucuras que carrego em minha mente
e no meu coração.


Limpa-me a cegueira,
livra-me desta catarata
que obscurece os meus olhos
e não me deixa ver a Tua grandeza, a Tua beleza.
Porque me destes olhos para ver,
me destes ouvidos para ouvir:
olhos para ver-Te em toda parte 

e ver a beleza de Ti em todo instante,
ouvidos para ouvir a Tua voz 

na vida que passa ao meio lado de mim.


Mas os meus olhos estão tomados de mim mesmo,
e eu só vejo a mim mesmo e a minha dor.
E os meus ouvidos estão tapados
pelo meu próprio lamento,
pela minha lamúria,
pela minha escuridão,
e eu só ouço a minha própria voz.


Estou cansado, oh Pai,
e cheio de mim mesmo
como um poço que estivesse cheio até a boca
e esvaziado de Sua água cristalina
que sacia verdadeiramente a sede.
Como um poço sem fim.
 

Tu me dás alimento,
me dás a vida,
a brisa que passa,
as estrelas do céu,
a noite que adormece,
a mesa farta,
as flores que vicejam.
Mas eu continuo cheio de mim
e nada me satisfaz.
Nada!


O Senhor soprou
e fez o meu espírito,
colocou-me nesta matéria macia e amena.
Aqui estou eu,
habitando esta matéria.
E mesmo assim não te vejo,
não te escuto,
vivo como se tu não habitasses tudo,
vivo como se tu não estivesses por todos os lados.


Oh, Deus,
estou cheio de mim mesmo.
É como se eu me transbordasse no excesso de mim,
é como se estivesse enfastiado de alimentar-me de mim.
Não, eu não recebo a luz
que a minha volta se resplandece.
Também não sinto a brisa que passa a minha volta,
também não sinto o chão e o odor da terra
que passa a minha volta,
que se levanta quando eu passo.


Eu não me alimento das coisas
que estão fora de mim.
É como se eu mesmo me alimentasse
dos pensamentos que norteiam de mim mesmo,
das preocupações para comigo mesmo,
dos sentimentos que me envolvem.
E nada mais existe
neste universo inteiro,
nesta terra inteira,
nestas árvores,
nestas planícies
a não ser eu mesmo.
E por isso me adoeci,
de tamanha extensão de mim.


Andei, andei,
mas é como se eu não tivesse caminhado um milímetro.
Porque olho para os lados e vejo a mim,
para frente, e vejo a mim,
recuo, e vejo a mim mesmo,
do lado, também estou eu.


E onde está Tua face amada e querida?
Onde habita Tua paz que eu não acho?
E o Teu significado?
E o Teu sentido que nos enche de júbilo e de alegria?


Grito como um anjo destemido e desesperado.
Oh, Deus, onde estás que não respondes?
Mas como não estás e não respondes
se sou eu que não tenho olhos de Te ver
e ouvidos de ouvir a Tua resposta que resplandece
por todo o lado doente de mim mesmo?


Oh, Deus,
vem e socorre-me de mim,
apara um pouco estas arestas,
abre o espaço,
penetra-me,
entra dentro do meu peito,
faze-me sentir a Tua grandeza,
um pouquinho que seja.


***

O que é fazer parte da natureza a nossa volta?

11.3.10

O trecho da música tornou-se um clichê total, principalmente para a geração 80 e também  para aquela que acompanhou, nos anos 90, ainda na puberdade, a morte de Renato Russo. Mas já parou para analisar a profundidade dessas palavras? É de assustar como a exposição midiática banalizada nos priva da beleza do sentido de certas coisas:

Disciplina é liberdade
Compaixão é fortaleza
Ter bondade é ter coragem

7.3.10

Mensagem à Poesia

Não posso

Não é possível
Digam-lhe que é totalmente impossível
Agora não pode ser
É impossível
Não posso.
Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu encontro.

Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar
Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo.
Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte do mundo
E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo
A saudade de seus homens; contem-lhe que há um vácuo
Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema; contem-lhe
Que a vergonha, a desonra, o suicídio rondam os lares, e é preciso
reconquistar a vida
Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos os caminhos
Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso.
Ponderem-lhe, com cuidado – não a magoem… – que se não vou
Não é porque não queira: ela sabe; é porque há um herói num cárcere
Há um lavrador que foi agredido, há um poça de sangue numa praça.
Contem-lhe, bem em segredo, que eu devo estar prestes, que meus
Ombros não se devem curvar, que meus olhos não se devem
Deixar intimidar, que eu levo nas costas a desgraça dos homens
E não é o momento de parar agora; digam-lhe, no entanto
Que sofro muito, mas não posso mostrar meu sofrimento
Aos homens perplexos; digam-lhe que me foi dada
A terrível participação, e que possivelmente
Deverei enganar, fingir, falar com palavras alheias
Porque sei que há, longínqua, a claridade de uma aurora.
Se ela não compreender, oh procurem convencê-la
Desse invencível dever que é o meu; mas digam-lhe
Que, no fundo, tudo o que estou dando é dela, e que me
Dói ter de despojá-la assim, neste poema; que por outro lado
Não devo usá-la em seu mistério: a hora é de esclarecimento
Nem debruçar-me sobre mim quando a meu lado
Há fome e mentira; e um pranto de criança sozinha numa estrada
Junto a um cadáver de mãe: digam-lhe que há
Um náufrago no meio do oceano, um tirano no poder, um homem
Arrependido; digam-lhe que há uma casa vazia
Com um relógio batendo horas; digam-lhe que há um grande
Aumento de abismos na terra, há súplicas, há vociferações
Há fantasmas que me visitam de noite
E que me cumpre receber, contem a ela da minha certeza
No amanhã
Que sinto um sorriso no rosto invisível da noite
Vivo em tensão ante a expectativa do milagre; por isso
Peçam-lhe que tenha paciência, que não me chame agora
Com a sua voz de sombra; que não me faça sentir covarde
De ter de abandoná-la neste instante, em sua imensurável
Solidão, peçam-lhe, oh peçam-lhe que se cale
Por um momento, que não me chame
Porque não posso ir
Não posso ir
Não posso.

Mas não a traí. Em meu coração
Vive a sua imagem pertencida, e nada direi que possa
Envergonhá-la. A minha ausência.
É também um sortilégio
Do seu amor por mim. Vivo do desejo de revê-la
Num mundo em paz. Minha paixão de homem
Resta comigo; minha solidão resta comigo; minha
Loucura resta comigo. Talvez eu deva
Morrer sem vê-Ia mais, sem sentir mais
O gosto de suas lágrimas, olhá-la correr
Livre e nua nas praias e nos céus
E nas ruas da minha insônia. Digam-lhe que é esse
O meu martírio; que às vezes
Pesa-me sobre a cabeça o tampo da eternidade e as poderosas
Forças da tragédia abastecem-se sobre mim, e me impelem para a treva
Mas que eu devo resistir, que é preciso…
Mas que a amo com toda a pureza da minha passada adolescência
Com toda a violência das antigas horas de contemplação extática
Num amor cheio de renúncia. Oh, peçam a ela
Que me perdoe, ao seu triste e inconstante amigo
A quem foi dado se perder de amor pelo seu semelhante
A quem foi dado se perder de amor por uma pequena casa
Por um jardim de frente, por uma menininha de vermelho
A quem foi dado se perder de amor pelo direito
De todos terem um pequena casa, um jardim de frente
E uma menininha de vermelho; e se perdendo
Ser-lhe doce perder-se…
Por isso convençam a ela, expliquem-lhe que é terrível
Peçam-lhe de joelhos que não me esqueça, que me ame
Que me espere, porque sou seu, apenas seu; mas que agora
É mais forte do que eu, não posso ir
Não é possível
Me é totalmente impossível
Não pode ser não
É impossível
Não posso.


Vinicius de Moraes

6.3.10

Como Me Tornei Louco...

Perguntais-me como me tornei louco.
Aconteceu assim:

Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido, despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas – as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas – e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente gritando: “Ladrões, ladrões, malditos ladrões!”

Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim.

E quando cheguei à praça do mercado, um garoto trepado no telhado de uma casa gritou: “É um louco!” Olhei para cima, para vê-lo. O sol beijou pela primeira vez minha face nua.

Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua, e minha alma inflamou-se de amor pelo sol, e não desejei mais minhas máscaras. E, como num transe, gritei: “Benditos, benditos os ladrões que roubaram minhas máscaras!

Assim me tornei louco.

E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura: a liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós.

Gibran Khalil Gibran