19.4.06

O Individualismo Injustiçado...

Observe as coisas à sua volta... O cachorro deitado ao seu lado, a TV ligada, a cor das cortinas, suas roupas, tudo que está acontecendo na sua vida nesse instante. Agora pense por que você está neste exato momento observando e vivendo essa realidade à sua volta. Ela existe ao acaso? Destino? Circunstâncias? Não! A resposta é: tudo foi criado por você. Tudo o que está agora diante dos seus olhos foi colocado na sua vida por sua causa, por causa das decisões e atitudes que você tomou ao longo de um determinado período de tempo. Em outras palavras: a responsabilidade é toda sua...
A perda do verdadeiro conceito de liberdade foi uma grande sequela da sociedade superficial em que nos emergimos. A liberdade de existir e possuir total autonomia sobre sua vida foi suprimido pelo individualismo burguês. O conceito de liberdade dentro de um simples pensamento de concorrência econômica entre seres físicos e jurídicos levou o homem a imaginar o mundo apenas sobre essa perspectiva ideológico burguesa de existência, de relação com o mundo e com a vida.
Viver é reconhecer-se como agente da realidade, a liberdade de saber que você possui inúmeras possibilidades a escolher mesmo dentro de determinadas circunstâncias e limitações em que está em contato. Isso quer dizer que o homem em geral, pode optar dentro de qualquer realidade em que foi inserido. O poder de escolha sempre estará com o homem, ele está condenado a sempre ter escolhas, logo "está condenado a ser livre" (1).
Venho aqui, sem cair em contradição defender o individualismo, mas esse sem vínculo a uma classe, mas sim no seu sentido mais amplo. Em seu sentido não viciado, corrompido ou limitado. Falo da individualidade enquanto consciência da sua autonomia diante da vida e dos fenômenos à sua volta, os fatos que envolvem sua vida numa trama onde o artista criador não é ninguém divino ou sobrenatural, o artista criador é você!
O homem deve encontrar-se. "Mas esse encontrar-se é encontrar-se ocupado com alguma coisa no mundo... Ocupar-se é fazer isto ou aquilo - é, por exemplo, pensar" (2), isso é manter autonomia sobre sua vida. Viver é construir através do tempo presente o que você deseja do seu futuro a partir do que você já vivenciou no seu passado. A realidade é a intersecção dos três tempos e não se prender ao que já aconteceu vivendo o presente e tendo consciência de que apenas você constrói o seu futuro é não seguir nenhum pré-determinismo. É tomar para si as rédeas da sua história e fazê-la efetivamente enquanto agente da mesma.
Esse pensamento de individualidade em um sentido mais amplo reflete em seguida na própria sociedade, pois ele parte do indivíduo para o todo. Ele constrói uma sociedade onde a autonomia entre os indivíduos existe de fato. Será que uma consciência desse tipo precisaria de instrumentos como a democracia para organizar a política, por exemplo, ou para decidir em outros aspectos da sociedade de forma determinante? Ser individual é negar a prisão que nos transforma num ser não responsável. A idéia de ter uma vida despreocupada reforça o não se ocupar de sua vida, do futuro que o impulsiona a transformar o presente. O despreocupado não se ocupa de pensar sua vida, de tomar para si a responsabilidade de seus acontecimentos. Ele apenas deixa ser levado pela “vida”, ele esconde-se num pré-determinismo que acredita guiá-lo ao longo de sua existência de forma que nada pode ser feito. A negação da liberdade de viver, conquistar sua autonomia, transformar-se no seu “senhor da razão” é prática comum da ideologia burguesa, do individualismo em sua definição mais desumana, egoísta e equivocada possível.

É uma pena que certas palavras recebam definições tão injustas. Pobre vocabulário que sofre a deficiência do pensar, do conhecer-se, talvez um dia ele cante a liberdade plena e bela do ser...


(1) Jean Paul Sartre, O Ser e o Nada
(2) José Ortega Y Gasset, Que é Filosofia?

10.4.06

Personalidade e Cultura: como se relacionam?

Essa pergunta foi feita em uma atividade de sociologia. Eis a minha resposta...

Considerando a personalidade como o modo de ser que caracteriza uma pessoa, seu caráter exclusivo e essencial, farei a relação desta com a cultura.
Segundo Tylor, o complexo cultural inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade. Esse complexo é parte fundamental na constituição da vida do homem e está entrínseco à própria constituição da sociedade, logo a cultura é o ponto que existe em comum entre o homem e sua sociedade.
Essa relação cultural e sua complexidade influenciam o homem desde o nascimento e é fator determinante na sua inclusão ao meio social e consequentemente na sua personalidade.
A cultura é o ponto em comum entre o homem e a sociedade, mas a personalidade desenvolvida não é o ponto em comum entre esses homens, daí as suas diferenças que os transformam em indivíduos com características próprias. De fato, a cultura sendo fator determinante na formação da personalidade de cada pessoa participa dessa formação ao enraizar-se no seu cotidiano desde sua origem enquanto ser vivo, embora não seja o único fator.
Podemos nesse momento definir a personalidade em relação à cultura como sendo o modo através do qual uma pessoa se relaciona e absorve determinada cultura inicialmente através do processo de sua própria formação e posteriormente através de sua relação mantida com essa cultura.
A cultura é a mesma entre as pessoas em uma determinada sociedade, mas cada pessoa desenvolveu a sua própria personalidade. Essa diferença entre as personalidades deve-se ao fato de que cada ser entra em contato com o mundo e o interpreta de forma diferenciada. Mesmo irmãos gêmeos não possuem vidas idênticas, pois cada um possui sua vivência e sua respectiva coexistência com os objetos à sua volta e com a sociedade em que é inserido.
Justamente a interpretação de cada um em relação a uma mesma cultura, determina a relação entre cultura e personalidade. É o pensar e o social enquanto conjunto de hábitos dentro de um grupo.